
O representante alemão Toni Erdmann, de Maren Ade, agora favorito na categoria. Pic by moviepilot.de
MAIS UMA VEZ, UM DOS FILMES FAVORITOS AO PRÊMIO FICA DE FORA
A Academia divulgou a pré-lista dos nove filmes em língua estrangeira que ainda concorrem às cinco indicações ao Oscar. Então, daqueles 85 filmes que representavam seus países, restaram apenas nove produções:
- Tanna
Dir: Martin Butler e Bentley Dean (Austrália) - Toni Erdmann
Dir: Maren Ade (Alemanha) - É Apenas o Fim do Mundo (Just La Fin du Monde)
Dir: Xavier Dolan (Canadá) - O Apartamento (Forushande)
Dir: Asghar Farhadi (Irã) - Terra de Minas (Under Sandet)
Dir: Martin Zandvliet (Dinamarca) - The King’s Choice (Kongens Nei)
Dir: Eric Poppe (Noruega) - Paradise (Ray)
Dir: Andrey Konchalovskiy (Rússia) - Um Homem Chamado Ove (En Man Som Heter Over)
Dir: Hannes Holm (Suécia) - My Life as a Zucchini (Ma Vie de Courgette)
Dir: Claude Barras (Suíça)
Pra quem não conhece o sistema atual, dos 85 filmes vistos pelo departamento de Filmes em Língua Estrangeira nos últimos dois meses, os seis mais bem votados se juntam a outros 3 selecionados por um comitê executivo especial, que foi criado para assegurar 3 votos para produções mais pertinentes.
Quando soube que o filme Elle, representante francês e favorito ao prêmio até então, ficou de fora logo na pré-lista do Oscar, confesso que tive uma mistura de sentimentos. No começo foi “Não acredito nisso” com um “Ah, eu já sabia… já tinha previsto no blog”, mas no geral fiquei chateado com a eliminação precoce de um filme ousado na abordagem do tema do estupro. Na verdade, desde que a França lançou o filme como representante em outubro, já torcia por ele, porque foi uma escolha igualmente ousada, afinal, todas as comissões internacionais sabem que os votantes da Academia que elegem os indicados e vencedores são em sua maioria senhores idosos brancos e judeus. Por isso eles sempre estão selecionando produções com temática da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto, porque sabem que terão maiores chances.
A ausência de Elle na corrida também significa a perda de uma ótima oportunidade de premiar seu diretor, o holandês Paul Verhoeven, que rendeu muito dinheiro e prestígio à Hollywood nos anos 80 e 90, com as produções de RoboCop – O Policial do Futuro (1987), O Vingador do Futuro (1990), Instinto Selvagem (1992) e Tropas Estelares (1997). Graças a diretores como ele, não faltou coragem e ousadia nos filmes americanos nessas duas décadas, afastando o politicamente correto. Claro que o histórico de um artista não deveria influenciar numa escolha atual, mas nesse caso, o filme em si já justificaria sua indicação.

O diretor Paul Verhoeven dirige uma Isabelle Huppert estirada no chão no set de Elle. Pic by moviepilot.de
A aversão dos votantes a temas polêmicos também pode ter prejudicado bastante a campanha de Isabelle Huppert como Melhor Atriz. Ela vinha coletando uma série de prêmios importantes como o NYFCC, LAFCA e indicações para o Critics’ Choice e Globo de Ouro, mas depois de sua exclusão do SAG e agora de seu filme da categoria de Filme em Língua Estrangeira, sua primeira indicação ao Oscar pode não estar mais 100% garantida. Apesar dos reveses, ainda acredito em sua indicação, mas a vitória… ah, essa está difícil! Quem sabe se ela ganhar o BAFTA?
Mas parando de chorar sobre o leite derramado, a Academia pode pisar na bola muitas vezes, mas ela sempre busca reforçar a idéia de que os filmes selecionados podem surpreender o espectador. Aliás, muitos dos críticos que abominaram a ausência de Elle sequer viram todos os nove pré-indicados. Particularmente, eu nunca tinha ouvido falar do norueguês The King’s Choice ou o representante sueco Um Homem Chamado Ove, então como dá pra alegar se eles são menos merecedores de uma indicação, certo? Eu só fico receoso se o filme for sobre o Holocausto…
Do histórico mais recente da categoria, a Academia surpreendeu, sim, ao indicar produções pouco conhecidas de países que não tem quase produção cinematográfica. Para citar alguns: O Lobo do Deserto (Jordânia), O Abraço da Serpente (Colômbia), Tangerinas (Estônia), Timbuktu (Mauritânia) e A Imagem que Falta (Camboja). Infelizmente, nenhum deles saiu vitorioso da cerimônia. Aliás, tá difícil de lembrar quando foi a última vez que a Academia surpreendeu no vencedor da categoria… o Oscar para o bósnio Terra de Ninguém em 2002 talvez?
Bom, quanto aos selecionados, à princípio, os favoritos são o alemão Toni Erdmann e o iraniano O Apartamento. Curiosamente, ambos estavam indicados à Palma de Ouro em Cannes em maio. O filme alemão de Maren Ade também foi indicado ao Independent Spirit, Globo de Ouro e levou o NYFCC. Já o iraiano de Asghar Farhadi, vencedor do Oscar em 2012 por A Separação, foi indicado ao Globo de Ouro, e levou o National Board of Review e os prêmios de Melhor Ator (Shahab Hosseini) e Roteiro (Farhadi) em Cannes.

Cena do representante iraniano O Apartamento, de Asghar Farhadi. Em cena: Shahab Hosseini e Taraneh Alidoosti. Pic by cine.gr
O representante da Suíça tem uma curiosidade: pode ser indicado tanto como Filme em Língua Estrangeira quanto Longa de Animação. My Life as a Zucchini é uma delicada animação stop-motion sobre um menino que é levado para um orfanato depois que sua mãe morre. Da última vez que um filme esteve na mesma situação, Vidas ao Vento (2013), de Hayao Miyazaki, acabou indicado a Melhor Longa de Animação, mas perdeu para Frozen: Uma Aventura Congelante.

Cena da animação suíça My Life as a Zucchini, que também concorre como Longa de Animação. Pic by moviepilot.de
A pré-indicação de Terra de Minas consolida o cinema dinamarquês como um dos mais prolixos dos últimos anos. São 5 indicações nos últimos dez anos: Guerra em 2016, A Caça em 2014, O Amante da Rainha em 2013, Em um Mundo Melhor em 2011 (vencedor do Oscar) e Depois do Casamento em 2007. A produção dinamarquesa foi bastante influenciada pelo movimento Dogma 95, que tinha fundamentos como não usar iluminação artificial, tripé e roteiro, e tinha como seguidores Lars von Trier, Thomas Vinterberg e Susanne Bier. Hoje, o cinema da Dinamarca amadureceu, abandonou essas regras, mas mantém a importância da história como essência. Terra de Minas se trata de um grupo que tem a missão de cavar buracos para 2 milhões de minas terrestres.
Acredito que entre os três votados pelo comitê especial tenha sido o canadense É Apenas o Fim do Mundo. Não tanto pelo jovem diretor Xavier Dolan, que levou o Grande Prêmio do Júri em Cannes, mas mais pelo elenco francês composto por Marion Cotillard, Vincent Cassel, Nathalie Baye e Léa Seydoux, pois não é o tipo de filme que os votantes mais idosos apreciariam pelo ritmo mais frenético.

Cena do canadense É Apenas o Fim do Mundo, de Xavier Dolan, com Marion Cotillard e Vincent Cassel. Pic by moviepilot.de
Já o norueguês The King’s Choice e o russo Paradise apresentam essas tramas da Segunda Guerra. O primeiro tem o rei da Noruega precisando fazer uma importante decisão quando as máquinas alemãs chegam a Oslo em 1940, enquanto o segundo apresenta o cruzamento de três pessoas durante a guerra: uma russa, uma francesa e um oficial alemão. Já o sueco, Um Homem Chamado Ove, é uma comédia de humor negro em que o protagonista é um idoso reclamão (identificação com os votantes?) que decide abandonar sua cidade. Enquanto o australiano Tanna oferece uma interessante e bela releitura de uma briga entre duas tribos que habitam uma ilha no Pacífico. Se esses filmes são melhores do que Elle? Só conferindo todos pra poder analisar de fato.

Filme preto-e-branco sobre personagens da Segunda Guerra Mundial no russo Paradise. Pic by moviepilot.de
OPORTUNIDADES PERDIDAS
Como Aquarius não foi selecionado pela comissão brasileira (via Michel Temer), o representante Pequeno Segredo ficou de fora. Era óbvio que o dramalhão familiar não avançaria, por mais que seu diretor David Schurmann jurasse de pé junto que seu filme tinha um tema universal que conquistaria a Academia. Aquarius foi sabotado, sim. Assim como Boi Neon, de Gabriel Mascaro. E é uma pena, pois havia grandes chances do Brasil voltar a concorrer ao Oscar após 17 anos depois de Central do Brasil.
O mesmo aconteceu com o representante da Coréia do Sul, país asiático que nunca foi indicado ao Oscar. Seu filme mais forte do ano é The Handmaiden, de Park Chan-wook, mas devido a conflitos políticos com a então presidente Park Geun-hye (hoje fora do governo por processo de impeachment), o filme não foi selecionado. O escolhido The Age of Shadows também ficou de fora. E mais uma ótima oportunidade foi desperdiçada. Por apresentar intensas cenas de sexo, The Handmaiden provavelmente teria que ser salvo pelo comitê especial, mas de qualquer forma, o filme pode concorrer em categorias técnicas como Fotografia, Direção de Arte e Figurino.

Sônia Braga em cena de Aquarius, preterido pela comissão brasileira para o Oscar. Pic by moviepilot.de
Entre os excluídos mais famosos estão o espanhol Julieta, de Pedro Almodóvar, e o chileno Neruda, de Pablo Larraín, que pode concorrer como diretor por Jackie, estrelado por Natalie Portman.
ROLA UMA REFORMA?
Por mais que descubramos produções interessantes através das indicações da Academia, uma reforma no sistema de votação ainda precisa ser implantada. Já citei aqui anteriormente uma solução que agradaria gregos e troianos: aumentar para 10 indicados a Melhor Filme em Língua Estrangeira! Ou pelo menos algo maleável como a categoria de Melhor Filme hoje, que varia de 5 a 10 indicados. Seria algo mais justo, já que são 85 países disputando 5 vagas. E a divisão de votos entre o departamento e a comissão especial ser alterada para 50% a 50%. Hoje são 2/3 para o departamento e 1/3 para a comissão. Seria algo tão impossível assim para o conservadorismo da Academia?
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As indicações ao Oscar 2017 serão anunciadas no dia 24 de janeiro.
Adalberto
/ janeiro 17, 2017Achei Aquarius um péssimo filme! Acho que a questão não foi uma escolha política não, acho que escolheram o menos pior para representar o Brasil. Com Aquarius as chances seriam nulas. Parece um daqueles filmes mal feitos da década de 1970 que o Canal Brasil exibe de madrugada!
Winston Graysmith
/ janeiro 17, 2017Olá, Adalberto! Obrigado pelo seu comentário! Bom, escolher um filme para representar o Brasil não é uma tarefa fácil. Já tentamos de tudo para conseguir mais uma indicação ao Oscar, que não ocorre desde 1999 com “Central do Brasil”: apostamos em temáticas universais como o homossexualismo de “Hoje Eu Não Quero Voltar Sozinho”; diretores previamente indicados ao Oscar como Hector Babenco de “Carandiru”; filmes cults como “Cidade de Deus” (que conseguiu 4 indicações no ano seguinte em categorias mais técnicas); e até nos rendemos aos filmes de temática do Holocausto que costumam ganhar o Oscar como “Olga”, de Jayme Monjardim e “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”, de Cao Hamburger, mas não deu certo. Como os filmes que são indicados à Palma de Ouro do Festival de Cannes têm maiores chances em relação aos demais, “Aquarius” já tinha um pé dentro do Oscar, ainda mais que fazia 4 anos em que o Brasil não era indicado à Palma. Isso funciona como uma espécie de “selo de qualidade” para a Academia. E depois, o filme foi indicado ao Independent Spirit Awards, o que confirmava uma trajetória de sucesso para o filme de Kléber Mendonça Filho. Contudo, o filme não foi selecionado pelo comitê brasileiro, que preferiu o até então desconhecido “Pequeno Segredo”. Honestamente, não vi o filme. Poderia ter sido indicado ao Oscar? Sim, poderia, porque a Academia pode ser imprevisível nessa categoria, mas se fosse “Aquarius”, que já tinha um histórico internacional (assim como o próprio “Central do Brasil” teve carreira internacional), as chances seriam infinitamente superiores. Além disso, “Aquarius” conta com a atriz Sonia Braga, que por mais que seu ápice tenha sido nos anos 80 com “O Beijo da Mulher-Aranha”, ela continua muito ativa em séries americanas, o que certamente renderia mais popularidade ao filme de Mendonça na campanha do Oscar.
Isso tudo que estou comentando nada tem a ver com a qualidade do filme. São questões de estratégias de campanha, marketing e probabilidades de indicação. Agora, quanto ao filme em si, achei uma produção interessante, possui um roteiro que inicialmente critica o capitalismo e o corporativismo que visa apenas o lucro (tema universal, mas com características brasileiras), mas que poderia muito bem ser interpretado como o impeachment da ex-presidente, por exemplo. Mas acima de tudo, “Aquarius” tem um ritmo próprio que apenas diretores de personalidade (pra não dizer “autores”) têm. E nesse quesito, se lembra os filmes do anos 70, talvez isso signifique que o filme tenha uma veia bastante brasileira. Não sei, a meu ver, acho melhor do que um filme sem personalidade que apenas queira copiar outros americanos.
E pra finalizar, sobre a questão política, achei desnecessário o protesto da equipe de “Aquarius” no tapete vermelho de Cannes, afinal o filme teve dinheiro público. Mas obviamente, esse protesto causou rusgas no governo Temer que foi tachado de golpista. Mesmo que acreditássemos que não tenha sido um motivo político, seria muita coincidência o filme brasileiro mais premiado do ano ser despachado dessa forma. Assim como você, gostaria de acreditar que não houve interferência política na seleção do comitê, mas é difícil interpretar os acontecimentos assim.
Enfim, é uma questão bastante polêmica, Adalberto. Achei bem interessante receber sua mensagem pra justamente discutirmos o que houve. De qualquer forma, acho que a Arte tem sempre que prevalecer diante de tudo.
Um forte abraço!