‘Ela’, de Spike Jonze, fatura o National Board of Review 2013

Joaquin Phoenix no futurista Ela, de Spike Jonze, que faturou o National Board of Review (photo by www.cine.gr)

Joaquin Phoenix no futurista Ela, de Spike Jonze, que faturou o National Board of Review (photo by http://www.cine.gr)

Como já foi dito no post anterior, se depender da quantidade de filmes candidatos ao Oscar, 10 indicados a Melhor Filme pode ser pouco para a demanda. Logo depois de Trapaça conquistar o New York Film Critics Circle (NYFCC), o novo filme de Spike Jonze, Ela (Her), vence as duas principais categorias: Filme e Diretor.

Até ontem, o filme era considerado um dos vários candidatos em potencial, mas nenhuma unanimidade, tanto que seu burburinho mais alto até então era a polêmica vitória de Scarlett Johansson como Melhor Atriz no Festival de Roma. Explico: a trama de Ela se passa num futuro hi-tech, no qual o escritor Theodore (Joaquin Phoenix) desenvolve um sentimento pela voz feminina de seu sistema operacional, feita por Johansson.

Li alguns artigos a respeito da “polêmica” e o problema parece ser premiar uma interpretação em que o ator não surge na tela. Não acredito que a origem da discussão seja Scarlett Johansson, pois se a crítica tem elogiado, ela deve ter conseguido criar profundidade e humanismo apenas com suas cordas vocais. Mesmo que fosse a voz de Meryl Streep, haveria uma polemicazinha, afinal, não existe a cultura de reconhecer trabalhos de interpretação vocal nas grandes premiações.

Scarlett Johansson ao lado do diretor Spike Jonze no último Festival de Roma (photo by )

Scarlett Johansson ao lado do diretor Spike Jonze no último Festival de Roma (photo by Vittorio Zunino Celotto/Getty Images)

Atualmente, existem apenas prêmios específicos para trabalhos de dublagem como o Voice Acting no Annie Awards. No Oscar, já houve tentativas fracassadas de incluírem dublagens nas categorias de atuação. Robin Williams como o Gênio em Aladdin (1992), e mais recentemente, Ellen DeGeneres como a Dori de Procurando Nemo (2003) geraram debates sobre suas inclusões como indicados à estaueta. Curiosamente, o Oscar já foi concedido às performances quase sem nenhum diálogo como Marlee Matlin em Filhos do Silêncio (1986) e no ano passado para Jean Dujardin em O Artista.

No final de novembro, foi anunciado que a voz de Scarlett era inelegível para concorrer ao Globo de Ouro, mas ela ainda pode disputar na categoria de atriz coadjuvante por seu papel em Como Não Perder Essa Mulher. Sem divulgar as razões, a Hollywood Foreign Press Association simplesmente vetou, mas até agora, poderá concorrer no SAG Awards e até no Oscar (quem diria!). Mas, convenhamos, as chances são quase nulas diante do conservadorismo da Academia.

Felizmente, os prêmios de críticos não têm dessas firulas. E também não há preconceitos com gêneros como ficção científica. O filme de Spike Jonze faz um interessante estudo sobre o futuro próximo enquanto nos tenta contar algo sobre o nosso tempo. Formado na escola de videoclipes, o diretor tem uma necessidade constante de inovação na linguagem e estrutura narrativa. Foi assim com Quero Ser John Malkovich (1999), Adaptação (2002) e Onde Vivem os Monstros (2009). Seu prêmio de Melhor Diretor serve como ótimo estímulo para que ele continue amadurecendo e se reinventando, algo essencial para a sobrevivência do Cinema.

Ao contrário dos demais prêmios de críticos, o National Board of Review também cria listas de top 10 e top 5 que permitem maior visibilidade de outros filmes não-premiados. Os favoritos ao Oscar estão lá:

– 12 Years a Slave
– Fruitvale Station: A Última Parada (Fruitvale Station)
– Gravidade (Gravity)
– Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum (Inside Llewyn Davis)
– Lone Survivor
– Nebraska
– Os Suspeitos (Prisoners)
– Walt nos Bastidores de Mary Poppins (Saving Mr. Banks)
– A Vida Secreta de Walter Mitty (The Secret Life of Walter Mitty)
– O Lobo de Wall Street (The Wolf of Wall Street)

Tratado como zebra, o filme Lone Survivor, de Peter Berg, pode continuar surpreendendo até o anúncio das indicações ao Oscar (photo by www.elfilm.com)

Tratado como zebra, o filme Lone Survivor, de Peter Berg, pode continuar surpreendendo até o anúncio das indicações ao Oscar (photo by http://www.elfilm.com)

Esse bônus também favorece algumas produções estrangeiras, que podem nem ter sido qualificadas para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar.

Além das Montanhas (Dupa Dealuri), de Cristian Mungiu – ROMÊNIA
Gloria (idem), de Sebastián Lelio – CHILE
The Grandmaster (Yi dai zong shi), de Wong Kar-Wai – HONG KONG
Seqüestro (Kapringen), de Tobias Lindholm – DINAMARCA
A Caça (Jagten), de Thomas Vinterberg – DINAMARCA

A produção dinamarquesa Sequestro pode não representar o país no Oscar, mas recebe reconhecimento dos críticos (photo by www.elfilm.com)

A produção dinamarquesa Sequestro pode não representar o país no Oscar, mas recebe reconhecimento dos críticos (photo by http://www.elfilm.com)

Entre as categorias de atuação, nenhum dos premiados do NYFCC voltou nessa lista, comprovando que não há favoritismos até o momento. Bruce Dern e Will Forte foram premiados ator e coadjuvante, respectivamente, pelo novo filme de Alexander Payne, Nebraska. Dern, que já havia vencido o prêmio de interpretação masculina em Cannes, renova suas chances no Oscar, tornando-o uma figurinha praticamente carimbada.

Vencedora do Oscar de Atriz por Retorno a Hoawards End, a inglesa Emma Thompson pode ter seu retorno triunfal no tapete vermelho graças ao filme Walt nos Bastidores de Mary Poppins, onde ela faz a autora do livro que deu origem ao filme musical. Depois de sua última indicação ao Oscar em 1996 por Razão e Sensibilidade, Thompson se tornou uma coadjuvante de luxo em grandes produções como a série Harry Potter e protagonizou filmes infantis como Nanny McPhee – A Babá Encantada.

Emma Thompson como a autora P.L. Travers em Walt nos Bastidores de Mary Poppins (photo by www.cine.gr)

Emma Thompson como a autora P.L. Travers em Walt nos Bastidores de Mary Poppins (photo by http://www.cine.gr)

Vencedora do Oscar de coadjuvante por Histórias Cruzadas, Octavia Spencer pode conquistar sua segunda indicação pelo drama Fruitvale Station: A Última Parada, que ainda conquistou mais dois prêmios: Diretor Estreante para Ryan Coogler e Revelação para Michael B. Jordan.

Ainda nas categorias de atuação, o Melhor Elenco foi para Os Suspeitos, de Denis Villeneuve. Hugh Jackman, Jake Gyllenhaal, Viola Davis, Terrence Howard, Melissa Leo e Paul Dano formam um elenco respeitável, porém alguns papéis não sustentam uma indicação como coadjuvante no Oscar.

Fechando, o iraniano Asghar Farhadi conquista o prêmio de Filme Estrangeiro, enquanto O Vento Está Soprando e Stories We Tell ganharam mais um prêmio de Animação e Documentário, respectivamente, e caminham fortalecidos para o Los Angeles Film Critics Association Awards (LAFCA), que divulgará sua lista no próximo dia 08.

Confira lista completa dos vencedores:

MELHOR FILME: Ela (Her)

MELHOR DIRETOR: Spike Jonze (Ela)

MELHOR ATOR: Bruce Dern (Nebraska)

MELHOR ATRIZ: Emma Thompson (Walt nos Bastidores de Mary Poppins)

MELHOR ATOR COADJUVANTE: Will Forte (Nebraska)

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE: Octavia Spencer (Fruitvale Station: A Última Parada)

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL: Joel Coen e Ethan Coen (Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum)

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO: Terence Winter (O Lobo de Wall Street)

MELHOR ANIMAÇÃO: O Vento Está Soprando, de Hayao Miyazaki

ATOR REVELAÇÃO: Michael B. Jordan (Fruitvale Station: A Última Parada)

ATRIZ REVELAÇÃO: Adèle Exarchopoulos (Azul é a Cor Mais Quente)

MELHOR DIRETOR ESTREANTE: Ryan Coogler (Fruitvale Station: A Última Parada)

MELHOR FILME ESTRANGEIRO: The Past, de Asghar Farhadi

MELHOR DOCUMENTÁRIO: Stories We Tell, de Sarah Polley

PRÊMIO William K. Everson Film History: George Stevens, Jr.

MELHOR ELENCO: Os Suspeitos (Prisoners), de Denis Villeneuve

Spotlight Award: Colaboração de carreira entre Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio

PRÊMIO NBR Freedom of Expression: O Sonho de Wadjda, de Haifaa Al-Mansour

PRÊMIO Creative Innovation in Filmmaking: Gravidade, de Alfonso Cuarón

Top 10 Filmes (em ordem alfabética):

12 Years a Slave, Fruitvale Station: A Última Parada, Gravidade, Inside Llewyn Davis – Balada de um Homem Comum, Lone Survivor, Nebraska, Os Suspeitos, Walt nos Bastidores de Mary Poppins, A Vida Secreta de Walter Mitty, O Lobo de Wall Street

Top 5 Filmes Estrangeiros (em ordem alfabética):

– Além das Montanhas
– Gloria
– The Grandmaster
– O Seqüestro
– A Caça

Top 5 Documentários (em ordem alfabética):

– 20 Feet from Stardom
– O Ato de Matar
– After Tiller
– Casting By
– The Square

Top 10 Filmes Independentes (em ordem alfabética):

– Ain’t Them Bodies Saints
– Dallas Buyers Club
– In a World…
– Mother of George
– Muito Barulho por Nada (Much Ado About Nothing)
– Amor Bandido (Mud)
– O Lugar Onde Tudo Termina (The Place Beyond the Pines)
– Short Term 12
– Sightseers
– The Spectacular Now

O simpático e comovente Muito Barulho por Nada foi bem lembrado pelo NBR (photo by www.elfilm.com)

O simpático e comovente Muito Barulho por Nada foi bem lembrado pelo NBR (photo by http://www.elfilm.com)

Adições para Cannes 2013

Júri de Cannes 2013

Júri de Cannes 2013. Começando do topo, da esquerda para a direita: Steven Spielberg, Vidya Balan, Christoph Waltz, Lynne Ramsay, Cristian Mungiu, Naomi Kawase, Ang Lee, Nicole Kidman e Daniel Auteuil.

Nessa semana, foram definidos os membros do júri presidido pelo diretor americano Steven Spielberg. Dois nomes fortes chamam a atenção: Ang Lee e Cristian Mungiu. Enquanto o diretor taiwanês acabou de levar seu segundo Oscar de direção por As Aventuras de Pi, o romeno já venceu a Palma de Ouro em 2007 por 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, além de ter vencido Melhor Roteiro no ano passado por Além das Montanhas.

Em um júri, existem diversos modos de eleição, inclusive a autoritária. Felizmente, a maioria aplica o sistema de democracia, onde todos têm voz ativa, e isso deve ter atraído tais nomes para integrar o grupo de Spielberg, além de seu prestígio no cenário hollywoodiano.

Outros artistas em demais departamentos de criatividade foram convocados. As atrizes Nicole Kidman e Vidya Balan, os atores Daniel Auteuil e Christoph Waltz (vencedor de seu segundo Oscar de coadjuvante este ano por Django Livre) e as diretoras Lynne Ramsay e Naomi Kawase, previamente indicadas à Palma de Ouro.

Trata-se de um grupo bastante qualificado e à altura dos filmes selecionados para a competição que, aliás, tem um novo indicado: Only Lovers Left Alive, do diretor americano Jim Jarmusch. Ele concorreu em cinco oportunidades anteriores ao prêmio máximo de Cannes, mas nunca levou. Em 2005, foi premiado com o Grande Prêmio do Júri, uma espécie de 2º lugar, por Flores Partidas. Nesse novo trabalho, Jarmusch aborda o universo de dois vampiros (Tom Hiddleston e Tilda Swinton), que são apaixonados um pelo outro há séculos, mas que tem seu relacionamento ameaçado pela irmã mais nova dela (Mia Wasikowska).

Pôster de Only Lovers Left Alive, de Jim Jarmusch

Pôster de Only Lovers Left Alive, de Jim Jarmusch

Além de se tratar de uma nova chance para uma consagração de Jarmusch, que é muito querido pelo público de cinema alternativo por filmes cults como Daunbailó (1986) e Ghost Dog (1999), pode ser uma ótima oportunidade para premiar pela primeira vez uma das melhores atrizes em atividade: a britânica Tilda Swinton, que já levou um Oscar de coadjuvante pelo drama Conduta de Risco.

Já na competição Un Certain Regard, houve a inclusão de novos filmes:
Tore Tanzt, de Katrin Gebbe
Wakolda, de Lucia Puenzo
My Sweet Pepper Land, de Hiner Saleem

Além desses, uma participação muito especial fora de competição do documentarista Claude Lanzmann (de Shoah) pelo filme Le Dernier des Injustes (The Last of the Unjust). O cineasta francês foi homenageado no último Festival der Berlim, onde recebeu o Urso de Ouro Honorário pelo conjunto da obra.

O 66º Festival de Cannes começa no dia 15 de maio e termina no dia 26.

Nove filmes estrangeiros em disputa para o Oscar 2013

O único representante do continente sul-americano: o chileno No, de Pablo Larraín, estrelado por Gael García Bernal

O único representante do continente sul-americano: o chileno No, de Pablo Larraín, estrelado por Gael García Bernal

Seguindo uma tradição rigorosa, os membros da Academia selecionaram os nove filmes semi-finalistas (de uma lista recordista de 71 filmes inscritos) na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Como muitos especialistas previram, o representante austríaco, Amour, e o francês, Intocáveis, estão nessa lista e já asseguram sua vaga na cerimônia.

Como já reportado aqui no blog, Amour, de Michael Haneke, que teve sua grande estréia no último Festival de Cannes, de onde saiu premiado com a Palma de Ouro, vem conquistando inúmeros prêmios da crítica internacional, como o LAFCA, NYFCC e o National Board of Review, por seu retrato do amor na terceira idade. Claro que, em se tratando de Haneke na direção, pode-se esperar sentimentos atípicos e brutais.

O estrondoso sucesso de público de Intocáveis também não poderia passar desapercebido. A relação incomum entre um aristocrata tetraplégico caucasiano e um rapaz de classe baixa negro quebrou alguns preconceitos e comoveu o grande público. Com certeza, incontáveis fãs do longa ficarão na torcida quando o envelope for aberto.

As outras três indicações estão em aberto. Contudo, um ou outro tem mais vantagens por ter sido mais comentado ou reconhecido pela crítica, como são os casos do dinamarquês O Amante da Rainha e do romeno Além das Montanhas, que saiu de Cannes com os prêmios de Melhor Roteiro e Melhor Atriz para a dupla Cosmina Stratan e Cristina Flutur. Na lista do National Board of Review e vencedor de Melhor Atriz no último Festival de Berlim, o canadense War Witch, de Kim Nguyen, tem boas chances com a história da menina de 14 anos que convive em meio à guerrilha na África.

Além das Montanhas, de Cristian Mungiu, representando a Romênia através de uma história verídica de exorcismo (foto por cine.gr)

Além das Montanhas, de Cristian Mungiu, representando a Romênia através de uma história verídica de exorcismo (foto por cine.gr)

O islandês The Deep é baseado numa história verídica de sobrevivência de um pescador em meio à congelante costa sul da Islândia. Já o representante da Noruega, Kon-Tiki, relata os esforços do explorador Thor Heyerdahl, que em 1947, atravessou o Oceano Pacífico todo numa balsa de madeira para provar que sul-americanos poderiam ter feito o mesmo para chegar às ilhas Polinésias em tempos de pré-Colombo. E o suíço Sister centra numa história de um menino que sustenta sua irmã mais velha roubando pertences de ricos num resort de esqui. O filme de Ursula Meier levou o Urso de Prata no último Festival de Berlim e conta com a bela Léa Seydoux.

Sister, de Ursula Meier: representante da Suíça com a belíssima Léa Seydoux

Sister, de Ursula Meier: representante da Suíça com a belíssima Léa Seydoux

Seguem os semi-finalistas para Melhor Filme Estrangeiro:

Amour, de Michael Haneke (Áustria)

War Witch (Rebelle), de Kim Nguyen (Canadá)

No, de Pablo Larraín (Chile)

O Amante da Rainha (En kongelig affære), de Nikolaj Arcel (Dinamarca)

Intocáveis (Intouchables), de Olivier Nakache e Eric Toledano (França)

The Deep (Djúpið), de Baltasar Kormákur (Islândia)

Kon-Tiki, de Joachim Rønning e Espen Sandberg (Noruega)

Além das Montanhas (Dupa Dealuri), de Cristian Mungiu (Romênia)

Sister (L’enfant d’en haut), de Ursula Meier (Suíça)

Em janeiro, esses nove filmes serão projetos em três dias para membros do comitê de Filmes Estrangeiros em Los Angeles e Nova York para então decidirem os cinco finalistas.

Infelizmente, o representante brasileiro O Palhaço, de Selton Mello, ficou de fora. Apesar de conter uma “brasilidade” no ambiente circense do cenário de interior do Brasil e com personagens andarilhos, o filme não conseguiu cativar os membros da comissão. A última vez que o país ficou entre os indicados foi em 1999 com Central do Brasil, de Walter Salles. E a última vez entre os semi-finalistas foi em 2007, com O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger.

Cheguei a ler algumas críticas boas de críticos americanos do filme Heleno, de José Henrique Fonseca, perguntando-se o porquê o filme não foi selecionado para concorrer ao Oscar, já que reconstrói a biografia do jogador de futebol Heleno de Freitas com a ajuda de Rodrigo Santoro, um ator reconhecido internacionalmente. Mas, mesmo que a escolha fosse alterada, não acredito que faria muita diferença, porque a concorrência de filmes estrangeiros este ano está muito acirrada. E, apesar da fama de Santoro, acho que O Palhaço tem uma boa mistura da cultura brasileira com a linguagem universal.

Algumas ausências notáveis foram dos representantes da Itália (César Deve Morrer, dos irmãos Taviani), da Alemanha (Barbara, de Christian Petzold), da Suécia (The Hypnotist, de Lasse Hallström) e da Coréia do Sul (Pieta, de Kim Ki-duk). A ausência desse último, embora tenha vencido o Leão de Ouro no último Festival de Veneza, explica-se pela crueldade e brutalidade da história, que costuma horrorizar os votantes mais idosos da Academia.

As indicações ao Oscar 2013 serão divulgadas no dia 10 de janeiro.

O islandês The Deep

O islandês The Deep e sua história de sobrevivência (foto por Cine.gr)

O norueguês Kon-Tiki, que tem belas imagens que remetem a Náufrago e A Lagoa Azul

O norueguês Kon-Tiki, que tem belas imagens que remetem a Náufrago e A Lagoa Azul (foto por OutNow.CH)

Reality, de Matteo Garrone (2012)

Reality, de Matteo Garrone

Depois de ganhar notoriedade internacional com seu filme sobre a máfia italiana, Gomorra (2008), o diretor Matteo Garrone retornou esse ano em Cannes com Reality, uma comédia sobre a influência dos reality shows na sociedade. Sagrou-se novamente com o Grande Prêmio do Júri, considerado o segundo lugar na competição do Festival, que laureou Amour, de Michael Haneke.

Matteo Garrone pode ser considerado um cineasta do século XXI. Não dizem que o cinema do futuro será feito por todos? Pra realizar Gomorra, o diretor liberou uma bagatelazinha de 26 mil euros para mafiosos locais por proteção durante as filmagens em Nápoles. Em troca, a máfia declarou que tinha direito a opinião no corte final do filme. Essa relação da Arte com dinheiro é muito antiga, que vem desde a época do mecenato, em que artistas eram patrocinados pelos mecenas, ficando à mercê de suas opiniões pessoais.

Curiosamente, dois filmes lançados em 1994 abordam essa questão. Em Tiros na Broadway, de Woody Allen, John Cusack é um diretor de teatro na década de 20, que se vê obrigado a escalar a namorada sem talento de um gângster em sua peça para que seja produzida. Já no filme de Tim Burton, Ed Wood, o diretor precisa empurrar toda a sua equipe para o batismo para conseguir o dinheiro da igreja local e produzir seu longa de ficção científica.

Neste novo trabalho, Matteo Garrone tem uma nova polêmica. O protagonista de Reality, Aniello Arena, não pôde ir a Cannes para promover o filme. Atrasou-se? Ficou doente? Morreu? Não… ele estava preso! Sim, Aniello Arena está cumprindo uma pena de vinte anos por duplo homicídio!

Protagonista de Reality, Aniello Arena: 2 horas de fama e 20 anos de prisão.

Garrone o conheceu através de uma peça de teatro encenada por presidiários e já queria chamá-lo para atuar em Gomorra, mas o juiz não havia permitido. Apelando à justiça para liberá-lo, o diretor conseguiu o aval. Durante o dia, Aniello trabalhava no filme e de noite, voltava sob custódia da polícia.

Agora, imaginem como era o clima no set de filmagem? Quem atuaria tranquilamente ao lado de um assassino? Não sei como Matteo Garrone conseguiu essa proeza, mas as atuações no estilo italiano ficaram muito cômicas. Felizmente, a escolha de Aniello foi muito bem acertada, pois ele esbanja o carisma necessário para sua personagem e fotografa bem (lembra Roy Scheider e Sylvester Stallone) Em entrevista, Matteo Garrone negava as acusações de que teria contratado Aniello como forma de retribuição a Gomorra.

Elenco de Reality: o jeitão italiano de ser ao lado de um assassino

Em Reality, acompanhamos a história de Luciano (Aniello Arena), pai de família que tem uma peixaria e consegue uma renda extra revendendo eletrodomésticos. Certo dia, sua família insiste para que ele participe da seleção do reality show italiano do Big Brother (ou como eles chamam por lá: Il Grande Fratello). A proposta começa despretensiosa, apenas para agradar as filhas pequenas, mas ao longo dos próximos dias, Luciano se anima com a chance de ficar famoso e ganhar muito dinheiro, criando uma expectativa colossal para ser chamado.

Da segunda metade para o final, o espectador acompanha a degradação do protagonista, marcada pela ilusão e pela paranóia crescente de que pessoas ligadas ao Big Brother estariam observando-o e avaliando seu comportamento. Essa mania de perseguição lembra o cult A Conversação (1974), de Francis Ford Coppola, obviamente num nível light. Contudo, essa paranóia também causa estragos permanentes em Luciano e na desestruturação de sua família.

A produção foi indicada à Palma de Ouro ao lado de fortes concorrentes como Além das Montanhas, de Cristian Mungiu; Cosmópolis, de David Cronenberg; Moonrise Kingdom, de Wes Anderson; Um Alguém Apaixonado, de Abbas Kiarostami; Na Estrada, de Walter Salles; Ferrugem e Osso, de Jacques Audiard. Reality ficou com o Grande Prêmio do Júri, o segundo na curta carreira de Matteo Garrone.

Ele merece os créditos pela crítica à banalidade dos reality shows e pela coragem de escalar um presidiário para o papel principal. Poderia ter dado tudo errado com o ator transformando o set de filmagem num cenário sangrento, mas a história teve seu final feliz. Se formos justos, Aniello Arena merecia o prêmio de ator, mas acho que os organizadores do festival não estão preparados para esse tipo de reconhecimento.

Matteo Garrone recebendo o Grande Prêmio do Júri por Reality.

Assisti ao filme numa das sessões da 36ª Mostra de Cinema de São Paulo, que ocorre entre os dias 19 de outubro a 1º de novembro (com uns dias a mais de repescagem no final). Infelizmente, Reality ainda não tem previsão de estréia no Brasil. E não, Reality não é o representante da Itália no Oscar, mas Caesar Must Die, de Paolo Taviani e Vittorio Taviani. Curiosamente, o filme dos Taviani retrata um grupo de presidiários reais encenando Júlio César, de William Shakespeare.

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