O venezuelano ‘From Afar’ (Desde Allá) se torna o primeiro filme latino a ganhar o Leão de Ouro

O diretor venezuelano Lorenzo Vigas ostenta o primeiro Leão de Ouro para a América Latina por Desde Allá (photo by sicnoticias.sapo.pt)

O diretor venezuelano Lorenzo Vigas ostenta o primeiro Leão de Ouro para a América Latina por Desde Allá (photo by sicnoticias.sapo.pt)

FESTIVAL MAIS ANTIGO DE CINEMA CONCEDE SEU PRÊMIO MÁXIMO PELA PRIMEIRA VEZ A UMA PRODUÇÃO LATINA

Por incrível que pareça, o festival italiano de 72 anos finalmente premia um filme latino. Não sei em que grau serviu como influência, mas foi preciso um presidente do júri latino, o mexicano vencedor do Oscar de Diretor por Gravidade, Alfonso Cuarón, para quebrar esse tabu de mais de sete décadas. Já me posicionei sobre essa questão de não gostar de ver favorecimentos de presidentes de júris de festivais a um ou outro concorrente. É desleal e uma injustiça com os demais participantes de uma competição. Mas é bacana noticiar a vitória de um latino num evento tão importante quanto Veneza.

O filme venezuelano From Afar, estréia na direção de Lorenzo Vigas (48 anos), acompanha a trajetória de um homem de meia idade pelas ruas de Caracas à procura de jovens companhias masculinas. Ele conhece Elder, um rapaz de 17 anos, que é líder de uma gangue criminosa. A crítica internacional fez elogios ao trabalho, ressaltando seu frescor no retrato dessa relação entre os personagens principais, assim como as atuações do veterano ator chileno Alfredo Castro e o iniciante Luis Silva.

Cena de Desde Allá com Luis Silva (à esquerda) e Alberto Castro (photo by cinepop.com.br)

Cena de Desde Allá com Luis Silva (à esquerda) e Alberto Castro (photo by cinepop.com.br)

Em seu discurso de agradecimento, o diretor Vigas foi patriota: “Quero dedicar este prêmio para meu espetacular país, a Venezuela. Estamos com alguns problemas, mas somos muito positivos. Somos uma nação maravilhosa e vamos começar a dialogar mais uns com os outros.” – Por mais que possa soar como pró-governo mediante benefícios, o discurso de Vigas se mostra bastante honesto e comprova o poder da Arte e da Cultura mesmo em realidades duras como a da Venezuela. Aqui no Brasil, não é muito diferente. Quem consegue fazer um filme e exibir numa tela de cinema por duas semanas já é um vitorioso diante de tantas adversidades.

Além do filme venezuelano, outras produções latinas foram contempladas nesta edição, o que levantou essa questão da influência do presidente do júri ser mexicano. Alfonso Cuarón respondeu: “Minha presença como presidente contou tanto quanto como se fosse o Rei da Suécia. Mesmo se eu quisesse ajudar os latinos, teria que ser uma conspiração bem maior.” – Além dessa questão latina, deve existir uma identificação do teor da sexualidade de From Afar com E Sua Mãe Também, de Cuarón.

O Clã Puccio, retratado no filme El Clan, de Pablo Trapero, vencedor do Leão de Prata (photo by adorocinema.com)

O Clã Puccio, retratado no filme El Clan, de Pablo Trapero, vencedor do Leão de Prata (photo by adorocinema.com)

A América Latina também ficou com o 2º lugar com o argentino Pablo Trapero levando o Leão de Prata por The Clan (El Clan), que reconta as histórias verídicas de seqüestros e assassinatos de vizinhos ricos para pedir resgate pela família que formava o Clã Puccio nos anos 80. Vale lembrar que o filme contou com a produção dos irmãos espanhóis Augustín e Pedro Almodóvar. O cinema argentino, que há anos se consagrou como um dos melhores do continente, possui diretores com reais perspectivas como Juan José Campanella, Carlos Sorín, Alejandro Agresti e o próprio Pablo Trapero. Claro que ainda é preciso conferir El Clan, mas ponto para Alfonso Cuarón por enxergar essa qualidade no cinema argentino também.

Os demais prêmios principais parecem ter sido distribuídos de forma mais igualitária. Enquanto a animação norte-americana Anomalisa, do sempre inovador Charlie Kaufman, levou o Grande Prêmio do Júri, o cinema francês ficou com os prêmios de Melhor Ator para Fabrice Luchini e Roteiro por Courted (L’Hermine),  e a Turquia levou o Prêmio Especial do Júri por Frenzy (Abluka). Já o cinema da casa do evento teve que se conformar com o prêmio de Melhor Atriz para a italiana Valeria Golino por Per Amor Vostro. Ela ficou conhecida por seu papel em Rain Man (1988) e pela comédia Top Gang! – Ases Muito Loucos (1991).

Vencedor de Melhor Ator, Fabrice Luchini, em cena de Courted (L’hermine) – photo by publico.pt

Valeria Golino com seu Volpi Cup de Melhor Atriz por Per Amor Vostro (photo by news.xinhuanet.com)

Valeria Golino com seu Volpi Cup de Melhor Atriz por Per Amor Vostro (photo by news.xinhuanet.com)

Pela Mostra Horizontes, o grande vencedor foi o norte-americano Childhood of a Leader, do estreante Brady Corbet. Baseado em conto de Jean-Paul Sartre, o filme conta a história de um menino americano que vive na França em 1918 enquanto seu pai trabalha para o governo americano na criação do Tratado de Versalhes. No elenco, o queridinho da cinessérie Crepúsculo, Robert Pattinson, a indicada ao Oscar Bérénice Bejo (O Artista) e a jovem Stacy Martin, que protagonizou Ninfomaníaca: Volume 1, de Lars von Trier.

Cena de The Childhood of a Leader, de Brady Corbet (photo by cine.gr)

Cena de The Childhood of a Leader, de Brady Corbet (photo by cine.gr)

Para o Brasil, a festa vai toda para o pernambucano Gabriel Mascaro, que levou o Prêmio Especial do Júri na Mostra Horizontes por Boi Neon. Especialista em documentários, este é apenas seu segundo trabalho em ficção. A trama tem como cenário as vaquejadas (espécie de rodeio em que dois vaqueiros à cavalo precisam emparelhar o boi entre si e derrubá-lo) e tem como protagonista o ator Juliano Cazarré.

O pernambucano Gabriel Mascaro com o Prêmio Especial do Júri da Mostra Horizontes por Boi Neon (photo by elnuevoherald.com)

O pernambucano Gabriel Mascaro com o Prêmio Especial do Júri da Mostra Horizontes por Boi Neon (photo by elnuevoherald.com)

O Festival de Veneza deste ano buscou se reabilitar da queda de popularidade e de crítica dos últimos anos, além de tentar superar a competição do Festival de Toronto, que acontece na mesma época e que tem “roubado” os possíveis candidatos ao Oscar do ano seguinte. Aliás, falando em Oscar, no início do festival, muito se falou que o filme de ação Evereste teria ótimas chances no Oscar 2016 porque, assim como nos últimos dois anos Gravidade e Birdman, foi o filme que abriu o festival. Ok, nem sempre as coincidências garantem alguma coisa. E sem querer menosprezar Evereste, vou chutar aqui indicações para Som, Efeitos Sonoros, e no máximo Efeitos Visuais e Trilha Musical por causa de Dario Marianelli.

VENCEDORES DO 72º FESTIVAL DE VENEZA:

COMPETIÇÃO INTERNACIONAL

LEÃO DE OURO: From Afar  (Dir: Lorenzo Vigas, Venezuela/ México)

LEÃO DE PRATA: The Clan (Dir: Pablo Trapero, Argentina/ Espanha)

GRANDE PRÊMIO DO JÚRI: Anomalisa (Dir: Charlie Kaufman e Duke Johnson, EUA)

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI: Frenzy (Dir: Emin Alper, Turquia/ França/ Qatar)

VOLPI CUP DE MELHOR ATOR: Fabrice Luchini  (Courted) – França

VOLPI CUP DE MELHOR ATRIZ: Valeria Golino (Per amor vostro) – Itália/ França

PRÊMIO MARCELLO MASTROIANNI PARA JOVENS ARTISTAS: Abraham Attah (Beasts of No Nation) – EUA

MELHOR ROTEIRO: Christian Vincent (Courted) – França

PRÊMIO LUIGI DE LAURENTIIS LEÃO DO FUTURO
The Childhood of a Leader (Dir: Brady Corbett, EUA)

MOSTRA HORIZONTE

MELHOR FILME
Free in Deed (Dir: Jake Mahaffi, EUA/ Nova Zelândia)

MELHOR DIRETOR
Brady Corbet  (The Childhood of a Leader) – EUA

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI
Boi Neon (Neon Bull) (Dir: Gabriel Mascaro, Brasil/ Uruguai/ Holanda)

PRÊMIO ESPECIAL PARA MELHOR ATOR OU ATRIZ
Dominique Leborne (Tempete) – França

MELHOR CURTA-METRAGEM
Belladonna (Dir: Dubravna Turic, Croácia)

VENICE CLASSICS AWARDS

MELHOR DOCUMENTÁRIO
The 1,000 Eyes of Dr. Maddin, de Yves Montmayeur – França

MELHOR FILME RESTAURADO
Salò, ou os 120 Dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini – Itália

Salò, ou os 120 Dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini. Se for pra comparar, o vídeo do Youtube é fichinha.

Salò, ou os 120 Dias de Sodoma, de Pier Paolo Pasolini: uma adaptação de Marquês de Sade com muito a dizer sobre a Itália fascista.

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