Americanos dominam Veneza, mas filme filipino ‘The Woman Who Left’ leva o Leão de Ouro

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Cena de “The Woman Who Left”, de Lav Diaz (photo by Venice Cortesy through Variety)

DIANTE DE VÁRIAS OPÇÕES INTERESSANTES,
SAM MENDES CONSEGUIU BOM EQUILÍBRIO NA PREMIAÇÃO ITALIANA

Deve ser difícil ser o presidente do júri de um grande festival como Veneza. Primeiramente, tem que assistir a uma série de filmes bons e instigantes que muitas vezes exigem uma preparação do espectador. Depois, precisa analisar e selecionar aqueles que considera melhores num âmbito artístico em que, teoricamente, não há melhores ou piores. E após a divulgação dos resultados, pode ser severamente criticado por suas escolhas, ou acusado de patriotismo, coleguismo ou nepotismo.

Levando tudo isso em consideração, o diretor americano Sam Mendes, aquele mesmo prodígio de Beleza Americana, teve a audácia de assumir essa responsabilidade. Premiou quatro filmes americanos nas categorias principais, mas deixou o prêmio máximo para uma produção filipina de 4 horas de duração.

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O diretor filipino Lav Diaz e seu Leão de Ouro (photo by qz.com)

Alguns podem  se questionar: “Será que ele quis impressionar através de um alto cunho artístico? Ou simplesmente escolheu aquele longa que mais mexeu com ele?”. Particularmente, acredito que a última opção foi o que aconteceu, mas de qualquer forma, o presidente fica muito suscetível a questionamentos.

O fato é que o diretor filipino Lav Diaz possui uma filmografia bastante densa. Seus filmes costumam ter alta duração e tópicos profundos. E The Woman Who Left, um drama de vingança sobre uma professora presa por 30 anos acusada erroneamente, deve ser mais uma gema para sua coleção. Filmado em preto-e-branco, o filme foi altamente recomendado por críticos, que ressaltaram o estudo que faz da moral.

Voltando à questão do júri e de suas escolhas, acho interessante esse papel dos festivais de instigar diretores autorais através de premiações a se reinventarem ou jogar uma luz onde não havia, pois isso que alimenta o Cinema como Arte. Em seu discurso de agradecimento, Lav Diaz declarou: “Isto é para meu país, para o povo filipino, por nossa luta da humanidade”.

Quanto aos filmes norte-americanos, havia realmente um apanhado de boas produções selecionadas que podem, e devem figurar na temporada de premiações de 2017, e talvez por isso mesmo, Sam Mendes não tenha se esforçado tanto para conceder o Leão de Ouro a uma dessas produções com lugar cativo no Oscar. Vale ressaltar que Gravidade e Birdman são exemplos recentes de produções que se destacaram em Veneza e acumularam estatuetas do Oscar na sequência.

Em apenas seu segundo trabalho como diretor, o estilista mundialmente reconhecido da Gucci, Tom Ford, retorna à Veneza após o ótimo drama Direito de Amar (2009) para apresentar outro drama contundente intitulado Nocturnal Animals. Também se trata de uma história de vingança que dialoga com o mundo artístico de Los Angeles e com o mundo do crime do Texas. Ford contou com a colaboração de atores em alta em Hollywood como Amy Adams, Jake Gyllenhaal e Michael Shannon. Já podemos arriscar suas indicações ao Oscar 2017?

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Jake Gylenhaal (centro) e Michael Shannon (à direita) em cena de Nocturnal Animals (photo by independent.co.uk)

Os outros dois filmes mais falados em Veneza também são americanos: o musical La La Land, e o drama Jackie. O primeiro é o musical dirigido pelo talentoso Damien Chazelle de Whiplash: Em Busca da Perfeição. Para quem viu o trailer, dá pra se ter altas expectativas pelo visual e por se tratar de um musical mais jazz e inusitado. Por sua performance, Emma Stone levou o Volpi Cup de Melhor Atriz. Infelizmente, ela não estava presente na cerimônia, pois seria uma surpresa e tanto!

Trailer oficial de La La Land, de Damien Chazelle (Lions Gate Movies)

A vitória de Stone surpreendeu um pouco porque Natalie Portman como a primeira-dama Jacqueline Kennedy em Jackie estava no topo das casas de apostas. O drama dirigido pelo chileno Pablo Larraín concentra sua trama no pós-assassinato do presidente Kennedy, quando Jackie estava de luto, precisava consolar seus filhos e tomar as rédeas para honrar o legado de seu marido. Se Portman saiu de mãos abanando, pelo menos o roteiro de Noah Oppenheim saiu reconhecido.

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Natalie Portman como a ex-Primeira Dama, Jacqueline Kennedy, em Jackie (photo by vogue.com)

E a última produção americana premiada foi The Bad Batch, de Ana Lily Amirpour. Conhecida pelo inovador filme iraniano de vampiros falado em persa, Garota Sombria Caminha Pela Noite, a jovem diretora trouxe outro filme com “peculiaridades”: uma história de amor que se passa num Texas à la western com comunidade de canibais. Particularmente, fiquei curioso pra saber como estão as performances de dois atores bastante rotulados: Jim Carrey e Keanu Reeves.

Falando em atores, o prêmio Volpi Cup de Ator foi para o argentino Oscar Martinez na dramédia The Distinguished Citizen, no qual interpreta um vencedor de prêmio Nobel de Literatura que retorna à sua cidade natal em busca de inspiração. Como todo bom filme argentino, apresenta críticas contemporâneas como a fama, ao mesmo tempo em que nos diverte com diálogos perfeitos e atuações sucintas.

Actor Oscar Martinez holds the Volpi Cup prize for best actor for the movie "The Distinguished Citizen" during the awards ceremony at the 73rd Venice Film Festival in Venice

Oscar Martinez segura seu Volpi Cup de Melhor Ator por “The Distinguished Citizen” Photo by REUTERS/Alessandro Bianchi

E o único empate desta edição ficou na categoria de Direção, dividido entre o mexicano Amat Escalante por The Untamed, e o russo Andrei Konchalovsky, que trouxe o drama do Holocausto, Paradise.

 

VENCEDORES DA 73ª EDIÇÃO DE VENEZA

LEÃO DE OURO
“The Woman Who Left,” de Lav Diaz

LEÃO DE PRATA DE MELHOR DIRETOR (EMPATE)
“Paradise,” Andrei Konchalovsky
“The Untamed,” Amat Escalante

GRANDE PRÊMIO DO JÚRI
“Nocturnal Animals,” Tom Ford

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O elegante Tom Ford posando com seu Grande Prêmio do Júri pelo drama “Nocturnal Animals” (photo by hollywoodreporter.com)

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI
“The Bad Batch,” Ana Lily Amirpour

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A jovem diretora Ana Lily Amirpour com seu Prêmio do Júri por ‘The Bad Batch’ (photo by Getty Images through BBC.com)

ATOR
Oscar Martinez (“The Distinguished Citizen”)

ATRIZ
Emma Stone (“La La Land”)

PRÊMIO MARCELLO MASTROIANNI PARA JOVENS ATORES
Paula Beer (“Frantz”)

MELHOR ROTEIRO
Noah Oppenheim  (“Jackie”)

PRÊMIO LUIGI DE LAURENTIIS
“The Last of Us,” Ala Eddine Slim

MOSTRA HORIZONTES

MELHOR FILME
“Liberami,” Federica di Giacomo

MELHOR DIRETOR
“Home,” Fien Troch

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI
“Big Big World,” Reha Erdam

PRÊMIO ESPECIAL PARA MELHOR ATOR
Nuno Lopes (“São Jorge”)

PRÊMIO ESPECIAL PARA MELHOR ATRIZ
Ruth Diaz (“The Fury of a Patient Man”)

MELHOR ROTEIRO
Wang Bing (“Bitter Money”)

MELHOR CURTA-METRAGEM
“La Voz Perdida,” Marcelo Mantinessi, Paraguay

VENICE CLASSICS AWARDS

MELHOR DOCUMENTÁRIO
“Le Councours,” Claire Simon

MELHOR FILME RESTAURADO
“Break-Up — L’uomo dei cinque palloni,” Marco Ferreri

Vencedores do Festival de Veneza 2012

O grande vencedor de 2012: Kim Ki-duk por seu filme Pietà (foto por Domenico Stinellis/ Associated Press)

Produção sul-coreana, Pietà, leva prêmio máximo de Veneza batendo The Master

Enfim o festival de cinema mais antigo elegeu seu filme favorito entre 18 concorrentes. O presidente do júri desta 69ª edição, o diretor norte-americano Michael Mann, juntamente com os demais membros do júri (entre eles o diretor israelense Ari Folman, a atriz britânica Samantha Morton, o diretor italiano Matteo Garrone e o argentino Pablo Trapero), divulgaram a lista dos premiados e nitidamente, tentaram ser democráticos.

Embora The Master, de Paul Thomas Anderson, tenha sido mais embalado pela mídia, foi o filme sul-coreano, Pietà, que conseguiu maior consenso entre os membros do júri. No discurso de agradecimento do Leão de Ouro, o diretor Kim Ki-duk dedicou o filme “à humanidade e à nossa situação difícil numa crise capitalista extrema”. O drama narra a jornada de um cobrador de dívidas que mutila os devedores sem piedade para que recebam prêmios do seguro de acidente de trabalho e enfim, possam pagá-lo. A brutalidade desse universo chocou alguns espectadores, mas se mostrou bastante atual em tempos de crise.

Cena de Pietà: Cho Min-Soo e Lee Jung-jin

Para quem desconhece a filmografia de Kim Ki-duk, ele tem uma veia violenta, mas nunca gratuita. Seus filmes mais conhecidos por aqui são Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera (2003) e Casa Vazia (2004). Geralmente, essa violência de seus personagens vem à tona quando estes não entendem a situação e agem por impulso. Para quem acompanha os festivais internacionais, o diretor é uma figura carimbada que já levou prêmios importantes como o Urso de Prata para Melhor Diretor em 2004 por Samaria (Berlim), Un Certain Regard por Arirang em 2011 (Cannes), Melhor Diretor por Casa Vazia em 2004 (Veneza), mas nunca chegou ao Oscar. Aliás, o cinema sul-coreano como um todo jamais foi reconhecido pela Academia nem com uma mera indicação. Pra maioria dos votantes da Academia, filme asiático tem que ser de Akira Kurosawa ou uma pintura como os filmes de Zhang Yimou: Herói (2002) e O Clã das Adagas Voadoras (2004), assim como quase toda a Europa aposta num representante com tema judeu e Segunda Guerra para levar Melhor Filme Estrangeiro.

Michael Mann, presidente do júri da 69ª edição do Festival de Veneza (foto Pascal le Segretain/Getty Images Europe)

Até um dia anterior à premiação, o favoritismo ao Leão de Ouro estava nas mãos de Paul Thomas Anderson e seu The Master, carregando seus 75%. Em seguida, vinha o sul-coreano Pietà com 15% e por último, o italiano Bella Addormentata, de Marco Bellochio, com 10%. Coincidência ou não, todos os três apresentaram temas polêmicos, acarretando em discussões mais acaloradas entre os jornalistas e espectadores presentes. Nessa briga, The Master aborda o nascimento da Cientologia e Bella Addormentata discute a eutanásia ao adaptar um caso verídico.

Muitos jornalistas davam como certa a vitória do filme norte-americano, uma vez que o filme asiático continha cenas de violência extrema e até de incesto. Mas o que muitos não contavam era que Michael Mann tem temas violentos em sua filmografia, vide Fogo Contra Fogo, O Último dos Moicanos e Colateral, ea palavra final do júri é dele. Entretanto, como dito no começo, a premiação foi democrática.

Se The Master não levou o Leão de Ouro, saiu com dois prêmios: Melhor Diretor (Paul Thomas Anderson) e Melhor Ator para a dupla de protagonistas Joaquin Phoenix e Philip Seymour Hoffman, reconhecimento que automaticamente os coloca na corrida para o Oscar 2013, com uma ligeira vantagem para Phoenix, pois seu papel tem uma carga mais dramática. O prêmio de Melhor Atriz foi considerada a maior surpresa, pois todos esperavam pelo nome da atriz coreana Cho Min-Soo (Pietà), mas como o filme levou o maior prêmio, concederam esse reconhecimento para a jovem Hadas Yaron, protagonista do filme israelense Fill the Void, de Rama Burshtein e Yigal Bursztyn.

Philip Seymour Hoffman com a taça Volpi Cup de Melhor Ator. Joaquin Phoenix não esteve presente (foto por Joel Ryan/ Associated Press)

Os ares de Veneza ficam mais graciosos com Hadas Yaron, recebendo o Volpi Cup de Melhor Atriz por Fill the Void (foto por Tiziana Fabi/ AFP photo)

O prêmio especial do júri ficou com o austríaco Ulrich Seidl por Paradise: Faith, considerada a segunda parte de uma trilogia, iniciada com Paradise: Love, que foi indicada à Palma de Ouro em Cannes este ano. O cineasta francês Olivier Assayas ficou com Melhor Roteiro por Après mai (Somehting in the Air), enquanto que o prêmio de consolação patriota ficou com o italiano Daniele Ciprì por È stato il Figlio pela contribuição artística (fotografia). O grande favorito italiano, Bella Addormentata, acabou ficando apenas com o prêmio Marcello Mastroianni, dedicado ao jovem ator Fabrizio Falco, que atuou também em È stato il Figlio.

Entre os maiores perdedores do festival estão To the Wonder, novo filme do controverso Terrence Malick, e o retorno de Brian De Palma a uma competição importante com Passion. Ambos os trabalhos não foram bem recebidos pela crítica e pelo público. Como era de se esperar, o filme de Malick dividiu as opiniões e acabou prevalecendo a crítica negativa. Quanto a De Palma, muitos receberam seu filme friamente e o motivo principal seria sua falta de criatividade. Segundo os comentários, ele teria abusado do auto-plágio, acumulando referências de seus filmes anteriores, mas sem o mesmo frescor.

A revelação sueca Noomi Rapace demonstrando seu carinho pelo diretor Brian De Palma, que, após o festival precisa dar um “atualizar” (foto por Associated Press)

Assim como o Oscar, Globo de Ouro e SAG, nenhuma premiação consegue satisfazer o público de forma plena e soberana. Mas ao contrário do prêmio da Academia que muitas vezes padece por motivos comerciais e de lobby dos estúdios, os festivais internacionais sofrem de um pseudo-patriotismo por parte do júri. Se o presidente do júri for norte-americano e o filme que venceu o prêmio máximo também, uma discussão mais grave seria questão de tempo. Um dos casos mais graves ocorreu em 2010, quando Quentin Tarantino era presidente do júri de Veneza e decidiu entregar o Leão de Ouro à compatriota e ex-namorada, Sofia Coppola, pelo drama Um Lugar Qualquer. Por mais que o filme seja merecedor do ouro, haverá uma inevitável desconfiança do público. Seria como escalar um árbitro brasileiro para apitar uma partida entre Brasil e Argentina.

Nesta edição de Veneza, um repórter teria questionado o porquê de nenhum filme italiano ter conquistado um dos principais prêmios para o conterrâneo Matteo Garrone, membro do júri. Quando ia responder, o presidente Michael Mann interveio e proibiu qualquer explicação de critérios.

Infelizmente, a Arte caminha junto com interesses econômicos desde a época do mecenato e muitas vezes, isso acaba tirando o foco da própria Arte. Na maior parte das vezes, a melhor solução seria interpretar as escolhas dos melhores filmes como algo puramente subjetivo (preferencialmente defendido com argumentos válidos). Atitude essa permitida pela grandeza da Arte.

Veja lista completa dos prêmios concedidos em Veneza:

LEÃO DE OURO
PIETÀ de Kim Ki-duk (Coréia do Sul)
 
LEÃO DE PRATA para Melhor Diretor:
THE MASTER de Paul Thomas Anderson (EUA)
 
PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI:
Paradise: Faith de Ulrich Seidl (Áustria, Alemanha, França)
 
VOLPI CUP para Melhor Ator:
Philip Seymour Hoffman e Joaquin Phoenix (The Master/ EUA)
VOLPI CUP para Melhor Atriz:
Hadas Yaron (Fill the Void/ Israel)
 
PRÊMIO MARCELLO MASTROIANNI para Melhor Novo Ator Jovem:
Fabrizio Falco (Bella Addormentata e È stato il Figlio)
 
PRÊMIO DE MELHOR ROTEIRO:
Olivier Assayas (Apres Mai – Somehting in the Air)
PRÊMIO PELA MELHOR CONTRIBUIÇÃO TÉCNICA (FOTOGRAFIA):
Daniele Ciprì (È stato il Figlio)
 
 
LEÃO DO FUTURO – PRÊMIO “LUIGI DE LAURENTIIS” PARA PRIMEIRO FILME:
KÜF (MOLD), de Ali Aydin (Turquia, Alemanha)
 
PRÊMIOS ORIZZONTI:
para MELHOR FILME:
SAN ZI MEI (Three Sisters), de Wang Bing (França, Hong Kong)
para  PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI ORIZZONTI:
TANGO LIBRE de Frédéric Fonteyne (França, Bélgica, Luxemburgo)
para PRÊMIO YOUTUBE PARA MELHOR CURTA-METRAGEM ORIZZONTI:
CHO-DE de Yoo Min-young (Coréia do Sul)
para PRÊMIOS DE FILMES EUROPEUS 2012 EFA:
TITLOI TELOUS de Yorgos Zois (Grécia)
 
LEÃO DE OURO PELO CONJUNTO DA OBRA 2012:
Francesco Rosi
 
JAEGER-LECOULTRE GLÓRIA PARA O CINEASTA:
Spike Lee
PRÊMIO PERSOL
Michael Cimino
PRÊMIO L’ORÉAL PARIS PELO CINEMA
Giulia Bevilacqua
Confira o trailer do vencedor do Leão de Ouro, Pietà (com legendas em inglês):
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