IMBATÍVEL,’TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO’ CONQUISTA 7 OSCARS

FILME DO MULTIVERSO DA A24 ACUMULA MAIOR NÚMERO DE ESTATUETAS DESDE 2009 QUANDO ‘QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO?’ LEVOU 8

Se a 95ª cerimônia do Oscar, que aconteceu na noite do dia 12 de Março, pudesse ser resumida em uma palavra, esta seria REDENÇÃO. Em 95 anos de História, a Academia sempre ficou marcada por algumas características como evitar premiar comédias, filmes de ação, filmes de artes marciais, terror, e elenco predominado por atores não-brancos. Isso tudo foi para os ares com a vitória de TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO, já que contém todos esses elementos sempre esnobados.

Os vencedores nas categorias de atuação também demonstram essa redenção. Brendan Fraser foi uma estrela muito promissora nos anos 90 e início dos anos 2000, com um carisma inigualável na franquia A MÚMIA e nas comédias GEORGE, O REI DA FLORESTA e ENDIABRADO. Chegou a receber ótimas críticas pela atuação no drama DEUSES E MONSTROS ao lado de Ian McKellen e Lynn Redgrave, mas talvez por ser tão associado às comédias e filmes de ação, foi esnobado pelo Oscar. Em 2003, sofreu um assédio do então presidente da HFPA (Globo de Ouro), e quando teve a coragem de denunciar, ninguém acreditou nele e ainda passou a não ser chamado para novos projetos, mergulhando em depressão por anos.

Jamie Lee Curtis, filha dos atores Tony Curtis e Janet Leigh, ficou muito marcada por ser a scream queen HALLOWEEN , além de outros filmes de terror como A BRUMA ASSASSINA e BAILE DE FORMATURA. Nos anos 80 e 90, dedicou-se às comédias como TROCANDO AS BOLAS, UM PEIXE CHAMADO WANDA, MEU PRIMEIRO AMOR e TRUE LIES, mas como a Academia enxerga com desdém ambos os gêneros, a atriz nunca foi considerada a nenhuma indicação sequer até agora. Em seu discurso, ela agradece a todos os fãs dos filmes de gênero, especialmente terror, e diz: “Nós ganhamos um Oscar juntos!”. Foi um dos pontos altos da cerimônia.

Ke Huy Quan, aquele ator infantil eternamente marcado por ser Short Round em INDIANA JONES E O TEMPLO DA PERDIÇÃO e o criativo Dado em OS GOONIES, tem a história mais bonita de todas. Em seu discurso, ele lembra que passou um ano em campo de refugiados da Guerra do Vietnã antes de parar nos EUA. No Globo de Ouro, arrancou rios de lágrimas ao dizer: “Depois do sucesso como ator infantil, fiquei me perguntando se era só sorte que tive. Se eu não tinha mais nada a oferecer”. Dali em diante, sua campanha só cresceu, e na base da humildade, ele conquistou todos os votos possíveis de inúmeras celebridades. Você pode ir no Instagram do ator e verá zilhões de fotos que ele tirou com essas celebridades, com uma expressão maravilhosa de “não acredito nisso!”, mas com os pés no chão, ciente de que esse auge pode nunca mais acontecer. Torço pra que ele se mantenha na lista A de Hollywood por um bom tempo!

E Michelle Yeoh… quem diria, hein? Atriz de filmes de artes marciais que já contracenou com Jackie Chan e Pierce Brosnan como 007 (aliás, uma ex-Bond Girl!). Sua imagem mudou bastante quando ela atuou como a guerreira Shu Lien de amor reprimido em O TIGRE E O DRAGÃO. Lá, ela demonstrou ser muito mais do que uma lutadora, mas uma personagem que lutou contra seus desejos mais íntimos. E 18 anos depois, ela volta a chamar a atenção na comédia PODRES DE RICO, na qual ela interpreta a sogra rica e exigente Eleanor Young, que merecia uma indicação de Coadjuvante, mas não aconteceu. Em TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO, ela interpreta uma mãe que não aceita a orientação sexual da filha por ter sido repreendida pelo pai ultra conservador, mas ela passa por uma experiência que lhe abre a mente e se liberta dessas amarras de forma muito bonita e poética. E mesmo com tanta cena de ação, Yeoh consegue extrair momentos de ternura genuína. Pode não ter sido “melhor” do que Cate Blanchett em TÁR, mas sua vitória no Oscar representa muito mais do que a coroação por uma atuação, principalmente porque ela se tornou a segunda atriz não-branca a ganhar o Oscar de Melhor Atriz, 22 anos depois de Halle Berry por A ÚLTIMA CEIA.

NÚMEROS DO OSCAR 2023

7 Oscars costumava ser um número recorrente para vencedores de Melhor Filme, mas isso mudou drasticamente na última década. A última vez que algo semelhante aconteceu foi lá em 2009, quando QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? acumulou 8 estatuetas. E é preciso ressaltar aqui que TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO se iguala a REDE DE INTRIGAS (1976) e UMA RUA CHAMADA PECADO (1951) ao conquistar 3 Oscars para seus atores. O curioso é que os dois filmes falharam em conquistar o Oscar de Melhor Filme, perdendo para ROCKY, UM LUTADOR e O MAIOR ESPETÁCULO DA TERRA, respectivamente.

Em 2º lugar, ficou o filme alemão NADA DE NOVO NO FRONT com 4 estatuetas: Filme Internacional, Fotografia, Design de Produção e Trilha Original, comprovando que o cinema alemão não está atrás do de Hollywood. E vou além: se a Netflix tivesse apostado desde o início no filme bélico em campanhas para o Oscar, ouso dizer que poderia ter conquistado a ala conservadora com facilidade e poderia ter sido o favorito a ser batido.

Em 3º lugar, com 2 Oscars, ficou o drama A BALEIA, que eu já previa que ganharia essa tradicional “dobradinha” de Atuação e Maquiagem. Muitas vezes, os votantes da Academia associam a transformação de um ator (também pela maquiagem prostética) como um elemento de qualidade, o que resultou em nessa dupla premiação como Meryl Streep em A DAMA DE FERRO, e ano passado, Jessica Chastain em OS OLHOS DE TAMMY FAYE. Mas voltando ao filme de Darren Aronofsky, a mescla entre Brendan Fraser e a maquiagem funcionou com perfeição, pois a atuação foi elevada (o ator sentiu literalmente o peso e a transformação para Charlie aconteceu) e sempre que preciso, a maquiagem foi mostrada sem tirar o foco da história (coisa que aconteceu com aquela maquiagem ruim de ELVIS em Tom Hanks, que graças a Deus não ganhou o Oscar).

ZERO foi o número de Oscars que filmes badalados recebeu: ELVIS (indicado em 8 categorias), OS FABELMANS (7) e TÁR (6). Particularmente, só fico triste pela total esnobada para o filme de Todd Field, melhor filme indicado nesta edição em minha opinião, mas de certa forma, é compreensível que não tenha ganhado nada por se tratar de um filme atípico, denso e reflexivo, características que muitos interpretam como “presunçoso” ou “pretensioso”.

Na contagem por estúdio/distribuidora, os maiores vencedores foram a A24 com 9 Oscars (foi o 2º Oscar de Melhor Filme depois de MOONLIGHT) e a Netflix com 6.

Ainda sobre números, é importante ressaltar que houve um aumento de 13% de audiência em relação à edição anterior, resultando em 18 milhões de espectadores pelo mundo. Esse público seria ainda maior se a Academia não ficasse restrita aos canais de TV (ABC nos EUA, e TNT aqui no Brasil) e HBO Max. Poderiam fazer uma live pelo YouTube, exibindo todos os patrocinadores, claro, e deixando a festa muito mais acessível. E esse aumento de público vem diretamente do sucesso do filme dos Daniels, especialmente na internet, onde foi carregado desde o 1º semestre de 2022, além de TOP GUN: MAVERICK e AVATAR. Obviamente, sou contra o tal Oscar de Filme Popular que tentaram criar, mas acredito que se a Academia der um pouco mais de atenção a alguns filmes do gosto popular e premiá-los, o Oscar teria muito mais audiência e credibilidade. Por exemplo, se tivessem dado o Oscar de Melhor Filme para MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA ou CORRA!. Não concordam?

HOUVE SURPRESAS?

Apesar de toda previsibilidade do Oscar para quem acompanha toda a temporada de premiações e sindicatos, a cerimônia sempre reserva algum tipo de surpresa nas vitórias, mas esta edição não teve nenhum grande. Se fosse para eleger uma, eu diria a vitória de Design de Produção de NADA DE NOVO NO FRONT, porque os prêmios precursores indicavam favoritismo para BABILÔNIA.

Claro que houve disputas bem acirradas como na categoria de Atriz Coadjuvante. Jamie Lee Curtis poderia ter perdido para Angela Bassett (visivelmente decepcionada com a derrota) ou Kerry Condon, mas como ela ganhou o SAG que é justamente o prêmio que mais fala alto, sua vitória não pode ser considerada uma surpresa.

Acho que o mais chocante, que só fui me dar conta depois, foi esse monte de filme cheio de indicações e nenhum vitória. Por exemplo, ELVIS eu tinha quase certeza de que ganharia pelo menos Figurino. E OS BANSHEES DE INISHERIN, por ter sido indicado em 9 categorias, esperava que seria reconhecido em pelo menos uma categoria, e esta seria Roteiro Original, mesmo com o favoritismo dos Daniels. Mas é difícil prever 100%, porque essa distribuição não segue uma lógica, mas a média geral de 10 mil membros da Academia, que cada um pensa e vota de um jeito.

Mas no geral, gostei das vitórias (normalmente sou contra esse acúmulo de estatuetas para um filme só), gostei que os vencedores souberam sintetizar seus discursos (especialmente a turma alemã de NADA DE NOVO NO FRONT), gostei da dinâmica da cerimônia (apresentou um clipe rápido de cada indicado a Melhor Filme sempre na volta dos intervalos comerciais), adorei a sobriedade do momento In Memoriam com a bela apresentação de Lenny Kravitz, gostei das apresentações das canções (embora um pouco decepcionado com a performance intencionalmente “improvisada e pobre” de Lady Gaga, cuja canção “Hold My Hand” poderia ter levantado o Dolby Theater) e gostei do retorno de um único host. Jimmy Kimmel não ter sido minha escolha (adoraria Ricky Gervais, Jim Carrey ou Jon Stewart), mas ele fez o feijão com arroz com altos como a presença da burrinha Jenny e a piada sobre personagens segurarem agressores na porrada case alguém desse uma de Will Smith, e baixos como sua interação sem graça com os convidados na plateia.

Por mim, a equipe de diretores do Oscar 2023 continua para o ano que vem, mas eu trocaria por um host mais ousado. E sei que a Academia tem esse longo contrato de transmissão com a ABC (Disney), mas sonho um dia ver o Oscar rodando no YouTube pra todo mundo poder acompanhar a premiação.

VENCEDORES DO OSCAR 2023:

MELHOR FILME
● TUDO EM TODO LUGAR AO MESMO TEMPO (Everything Everywhere All At Once)

MELHOR DIREÇÃO
● Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

MELHOR ATOR
● Brendan Fraser (A Baleia)

MELHOR ATRIZ
● Michelle Yeoh (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

MELHOR ATOR COADJUVANTE
● Ke Huy Quan (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
● Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
● Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

MELHOR ADAPTADO
● Sarah Polley (Entre Mulheres)

MELHOR FOTOGRAFIA
● James Friend (Nada de Novo no Front)

MELHOR MONTAGEM
● Paul Rogers (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
● Christian M. Goldbeck, Ernestine Hipper (Nada de Novo no Front)

MELHOR FIGURINO
● Ruth E. Carter (Pantera Negra: Wakanda Para Sempre)

MELHOR MAQUIAGEM E PENTEADO
● Adrien Morot, Judy Chin, Annemarie Bradley-Sherron (A Baleia)

MELHOR TRILHA MUSICAL ORIGINAL
● Volker Bertelmann (Nada de Novo no Front)

MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
● “Naatu Naatu”, de M.M. Keeravani, Chandrabose (RRR: Revolta, Rebelião, Revolução)

MELHOR SOM
● Mark Weingarten, James Mather, Al Nelson, Chris Burdon, Mark Taylor (Top Gun: Maverick)

MELHORES EFEITOS VISUAIS
● Joe Letteri, Richard Baneham, Eric Saindon, Daniel Barrett (Avatar: O Caminho da Água)

MELHOR LONGA DE ANIMAÇÃO
● Pinóquio por Guillermo del Toro

MELHOR FILME INTERNACIONAL
● Nada de Novo no Front (Alemanha)

MELHOR DOCUMENTÁRIO
● Navalny

MELHOR DOCUMENTÁRIO CURTA
● Como Cuidar de um Bebê Elefante

MELHOR CURTA LIVE ACTION
● An Irish Goodbye

MELHOR CURTA DE ANIMAÇÃO
● O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo

*** Por motivos óbvios, o blog do WordPress acabou ficando de escanteio com a ascensão das redes sociais, especialmente o Instagram, cujos números falam mais alto do que qualquer tipo de conteúdo. Nos últimos anos, fiquei mais engajado nas outras plataformas, mas sempre que puder, vou continuar alimentando alguns textos por aqui, principalmente quando o assunto pede por maior número de caracteres que o Instagram permite. Agradeço aos seguidores do WordPress que ainda leem o conteúdo e peço perdão por não criar tanto conteúdo aqui como antes, mas peço para que sigam a gente no Facebook ou Instagram porque sempre tentamos valorizar o conteúdo de cinema mesmo num formato mais limitado, como no recente post sobre o aniversário do diretor David Cronenberg: