‘OS MISERÁVEIS’ CONQUISTA MELHOR FILME no CÉSAR AWARDS. POLANSKI LEVA DIREÇÃO

Les Miserables

À direita, o diretor Ladj Ly agradece ao prêmio César de Melhor Filme para Les Misérables (pic by Teller Report)

EM ANO DE CONTROVÉRSIA, FILME SOBRE DESIGUALDADE SOCIAL QUASE FICA DE ESCANTEIO

Antes de começar a falar sobre o César Awards, o Oscar francês, gostaria de agradecer ao amigo Antonio Lopes Moraes, que nesta semana me questionou sobre os motivos de nunca ter escrito sobre o César. Como discutimos, a premiação francesa tem histórico de alguns problemas crônicos como o fato da própria mídia internacional não dar muita bola, a data no calendário não ajudar, o visual do próprio prêmio parecer uma obra de 15 artistas diferentes, e provavelmente o maior de todos: ao contrário das premiações televisionadas como o Oscar e o BAFTA, era quase impossível assistir aos filmes indicados antes de acompanhar o evento ao vivo.

Claro que ainda é difícil conferir todos os filmes, mas esse cenário mudou um pouco este ano com a presença de Retrato de uma Jovem em Chamas, Os Miseráveis e animação Perdi Meu Corpo, já que permearam a temporada de premiações e foram melhor divulgados em campanhas publicitárias nos últimos meses.

ACADEMIA FRANCESA EM CHAMAS

Há duas semanas, a diretoria da Academia Francesa havia renunciado por considerar que o sistema de votação era injusto e pouco transparente, o que contribuiu para as 12 indicações para o novo filme de Roman Polanski, O Oficial e o Espião, que se tornou o recordista desta 45ª edição do prêmio. “Para honrar os que fizeram filmes em 2019, para reconquistar serenidade e tornar o evento de cinema uma celebração, o conselho de diretores tomou uma decisão unânime de renunciar”, anunciaram em nota oficial.

Apesar da renúncia e de protestos feministas, o filme se tornou um sucesso de bilheteria na França, inclusive se tornando a maior estréia da carreira do diretor, e agora leva 3 prêmios Cesár: Figurino, Roteiro Adaptado e Direção para Polanski. Há dois dias, o diretor anunciou que não compareceria à festa pra evitar um possível linchamento. E toda a equipe do filme também não participou da festa, provavelmente em solidariedade ao seu diretor… ou com receio de uma retaliação colateral.

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A atriz Emmanuelle Bercot a diretora Claire Denis apresentam e recebem o prêmio de Direção em nome de Polanski no César Awards (pic by https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/02/roman-polanski-vence-premio-de-melhor-diretor-e-atrizes-se-retiram-da-cerimonia-em-protesto.shtml)

Após a revelação de Polanski como vencedor do César, várias pessoas abandonaram o teatro, sendo uma delas a atriz Adèle Haenel, de Retrato de uma Jovem em Chamas. Revoltada, ela teria declarado: “Premiar Polanski é o mesmo que cuspir na cara de todas as vítimas. Quer dizer que estuprar mulheres não é um problema”. Lembrando que Haenel participa ativamente do movimento #MeToo, e recentemente denunciou o diretor francês Christophe Ruggia, que teria abusado dela em 1991, quando ela tinha apenas 12 anos. Segue link de vídeo da atriz saindo do recinto logo após a premiação de Diretor e antes de Melhor Filme:

Se antes essa divisão entre pessoa e artista já era complicada, agora ficou ainda mais difícil. Você consegue assistir a um filme de Roman Polanski sem misturar o profissional do pessoal? Ou aquela pergunta hipotética: você compraria e penduraria um quadro na sua casa pintado por um criminoso condenado? A atriz Brigitte Bardot consegue sem qualquer problema, defendendo o diretor: “Deveríamos agradecer por Polanski estar vivo e salvando o cinema francês da mediocridade”.

O Ministro da Cultura da França, Franck Riester, chegou a comentar antes do César Awards que premiar Polanski passaria a mensagem errada para o mundo. Mas será que todos que supostamente votaram nele tinham intuito de passar a mensagem de que esse crime dele já prescreveu? Acreditamos que muitos votaram pelo trabalho de direção dele. Lembrando que o Festival de Veneza já havia concedido o Leão de Prata de Diretor para o filme em setembro passado.

Mesmo que haja reuniões futuras na Academia Francesa (são cerca de 4.300 membros atualmente), consideramos delicada a situação por haver inúmeros argumentos e pontos de vista que podem não levar a lugar algum, ainda mais se a discussão chegar ao nível de ética e moral. Mas pelo menos, nessa mesma reunião, poderiam decidir uma nova data no calendário, repensar na distribuição dos filmes fora da Europa, e claro, chamarem um único artista plástico pra remodelar esse prêmio.

César award

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E você achava que Hollywood e a Academia Americana já tinham problemas o suficiente com a ausência de mulheres na categoria de Direção…

PRÊMIOS DA NOITE

O grande vencedor da noite foi Os Miseráveis, filme de estréia do diretor Ladj Ly, que começou sua trajetória de sucesso no Festival de Cannes ocorrido em Maio de 2019, de onde saiu com o prêmio do Júri, dividido com o brasileiro Bacurau. Além de ter sido indicado ao Oscar de Filme Internacional este ano, Os Miseráveis venceu como Melhor Filme, Melhor Montagem e Melhor Revelação Masculina para o ator Alexis Manenti.

Filmado no estilo realista, o longa aborda a tensa relação de uma patrulha policial no subúrbio de Montfermeil com os habitantes da região durante uma prisão supostamente simples. Inspirado nos tumultos ocorridos em 2005, Ladj Ly buscou destacar o abismo social e racial enraizada na história e cultura da França.

Também com três prêmios, além de O Oficial e o Espião, tivemos o drama La Belle Époque, que conquistou os prêmios de Roteiro Original, Design de Produção e Atriz Coadjuvante para a veterana Fanny Ardant. A trama seria uma mistura de artifícios teatrais e reconstrução de época para os personagens reviverem a fase desejada de suas vidas. Infelizmente, ainda não há data de estréia aqui no Brasil, mas caso aconteça, Maio e Junho devem ser os meses mais propícios.

Indicado a 10 Césars, Retrato de uma Jovem em Chamas saiu apenas com o prêmio de Fotografia para Claire Mathon. Muitos reclamaram da injustiça na categoria de Atriz, mas a derrota foi compreensível, já que as duas atrizes do filme competiram juntas, o que certamente dividiu os votos. Acredito que se Céline Sciamma tivesse sido premiada como Diretora, a revolta seria beeem menor. Mas no final, sem querer soar como teoria conspiratória, até parece que foi manipulação da Academia Francesa premiar Polanski justamente para causar burburinho na mídia e chamar atenção de todos.

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Vencedora de Melhor Atriz, Anaïs Demoustier por Alice and The Mayor (pic by https://world.smiilee.com/)

E por último, vale ressaltar os dois prêmios conquistados pela bela animação Perdi Meu Corpo: Melhor Longa de Animação e Melhor Trilha Original para Dan Levy. Disponível na Netflix, este singelo trabalho merecia ser reconhecido na temporada, já que o centro das atenções foi o embate entre Klaus e Toy Story 4. E a trilha merecia ter sido indicada ao Oscar…

E, claro, na categoria de Filme Estrangeiro, deu Parasita novamente. O elenco e o diretor Bong Joon Ho não estavam presentes, mas enviaram um vídeo de agradecimento em volta de uma mesa brindando e bebendo. Essa ressaca vai durar até 2021… rs

Seguem os vencedores do 45º César Awards:

MELHOR FILME
LA BELLE ÉPOQUE (La Belle Époque), de Nicolas Bedos
GRAÇAS A DEUS (Grâce à Dieu), de François Ozon
THE SPECIALS (Hors Normes), de Eric Toledano, Olivier Nakache
O OFICIAL E O ESPIÃO (J’Accuse), de Roman Polanski
OS MISERÁVEIS (Les Miserables) Ladj Ly
RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS (Portrait de la Jeune Fille en feu), de Céline Sciamma
OH MERCY! (Roubaix, une Lumière), de Arnaud Desplechin

MELHOR DIREÇÃO
Nicolas Bedos (La Belle Époque)
François Ozon (Graças a Deus)
Eric Toledano, Olivier Nakache (The Specials)
Roman Polanski (O Oficial e o Espião)
Ladj Ly (Os Miseráveis)
Céline Sciamma (Retrato de uma Jovem em Chamas)
Arnaud Desplechin (Oh Mercy!)

MELHOR ATRIZ
Anaïs Demoustier (Alice and The Mayor)
Eva Green (Proxima)
Adele Haenel (Retrato de uma Jovem em Chamas)
Chiara Mastroianni (Quarto 212)
Noémie Merlant (Retrato de uma Jovem em Chamas)
Doria Tillier (La Belle Époque)
Karin Viard (The Perfect Nanny)

MELHOR ATOR
Daniel Auteuil (La Belle Époque)
Damien Bonnard (Os Miseráveis)
Vincent Cassel (The Specials)
Jean Dujardin (O Oficial e o Espião)
Reda Kateb (The Specials)
Melvil Poupaud (Graças a Deus)
Roschdy Zem (Oh Mercy!)

Roschdy Zem

Vencedor de Melhor Ator: Roschdy Zem por Oh Mercy! (pic by https://www.moustique.be/)

MELHOR FILME ESTRANGEIRO
Dor e Glória, de Pedro Almodovar
O Jovem Ahmed, de Jean-Pierre e Luc Dardenne
Coringa, de Todd Phillips
Lola vers la mer, de Laurent Micheli
Era Uma Vez em… Hollywood, de Quentin Tarantino
Parasita, de Bong Joon-Ho
O Traidor, de Marco Bellocchio

MELHOR FILME DE ESTRÉIA
Atlantique, de Mati Diop
In the Name of the Land, de Edouard Bergeon
Alerta Lobo, de Antonin Baudry
Os Miseráveis, de Ladj Ly
Papicha, de Mounia Meddour

MELHOR ROTEIRO ORIGINAL
Nicolas Bedos (La Belle Époque)
François Ozon (Graças a Deus)
Eric Toledano, Olivier Nakache (The Specials)
Ladj Ly, Giordano Gederlini, Alexis Manenti (Os Miseráveis)
Céline Sciamma (Retrato de uma Jovem em Chamas)

MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
Costa-Gavras (Adults in the Room)
Roman Polanski, Robert Harris (O Oficial e o Espião)
Jeremy Clapin, Guillaume Laurent (Perdi Meu Corpo)
Arnaud Desplechin, Lea Mysius (Oh Mercy!)
Dominik Moll, Gilles Marchand (Only the Animals)

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE
Fanny Ardant (La Belle Époque)
Josiane Balasko (Graças a Deus)
Laure Calamy (Only the Animals)
Sara Forestier (Oh Mercy!)
Hélène Vincent (The Specials)

MELHOR ATOR COADJUVANTE
Swann Arlaud (Graças a Deus)
Grégory Gadebois (O Oficial e o Espião)
Louis Garrel (O Oficial e o Espião)
Benjamin Lavernhe (Amor à Segunda Vista)
Denis Ménochet (Graças a Deus)

MELHOR REVELAÇÃO FEMININA
Luàna Bajrami (Retrato de uma Jovem em Chamas)
Céleste Brunnquell (The Dazzled)
Lyna Khoudri (Papicha)
Nina Meurisse (Camille)
Mama Sané (Atlantique)

MELHOR REVELAÇÃO MASCULINA
Anthony Bajon (In the Name of the Land)
Benjamin Lesieur (The Specials)
Alexis Manenti (Os Miseráveis)
Liam Pierron (School Life)
Djebril Zonga (Os Miseráveis)

MELHOR LONGA DE ANIMAÇÃO
The Bears’ Famous Invasion of Sicily, de Lorenzo Mattotti
Os Olhos de Cabul, de Zabou Breitman
Perdi Meu Corpo, de Jérémy Clapin

MELHOR MONTAGEM
Anna Danché, Florent Vassault (La Belle Époque)
Laure Gardette (Graças a Deus)
Dorian Rigal-Ansous (The Specials)
Hervé de Luze (O Oficial e o Espião)
Flora Volpelière (Os Miseráveis)

MELHOR FOTOGRAFIA
Nicolas Bolduc (La Belle Époque)
Pawel Edelman (O Oficial e o Espião)
Julien Poupard (Os Miseráveis)
Claire Mathon (Retrato de uma Jovem em Chamas)
Irina Lubtchansky (Oh Mercy!)

MELHOR FIGURINO
Emmanuelle Youchnovski (La Belle Époque)
Thierry Delettre (Cyrano Mon Amour)
Pascaline Chavanne (O Oficial e o Espião)
Alexandra Charles (Joan of Arc)
Dorothée Guiraud (Retrato de uma Jovem em Chamas)

MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
Stéphane Rozenbaum (La Belle Époque)

Benoît Barouh (Alerta Lobo)
Franck Schwarz (Cyrano mon Amour)
Jean Rabasse (O Oficial e o Espião)
Thomas Grézaud (Retrato de uma Jovem em Chamas)

MELHOR TRILHA MUSICAL ORIGINAL
Fatima Al Qadiri (Atlantique)
Alexandre Desplat (O Oficial e o Espião)
Dan Levy (Perdi Meu Corpo)
Marco Casanova, Kim Chapiron (Os Miseráveis)
Grégoire Hetzel (Oh, Mercy!)

MELHOR SOM
Rémi Daru, Séverin Favriau, Jean-Paul Hurier (La Belle Époque)
Nicolas Cantin, Thomas Desjonquères, Raphael Mouterde, Olivier Goinard, Randy Thom  (Alerta Lobo)
Lucien Balibar, Aymeric Devoldère, Cyril Holtz, Niels Barletta (O Oficial e o Espião)
Arnaud Lavaleix, Jérôme Gonthier, Marco Casanova (Os Miseráveis)
Julien Sicart, Valérie de Loof, Daniel Sobrino (Retrato de uma Jovem em Chamas)

MELHOR DOCUMENTÁRIO
68, mon père et les clous, de Samuel Bigiaoui
La cordillère des songes, de Patricio Guzman
Lourdes, de Thierry Demaizière, Alain Teurlai
M, de Yolande Zauberman
Wonder Boy Olivier Rousteing, né sous X, de Anissa Bonnefont

MELHOR CURTA-METRAGEM
Beautiful Loser
Chien Bleu
Le Chant d’Ahmed
Nefta Futebol Clube
Pile Poil

MELHOR CURTA DE ANIMAÇÃO
This Magnificent Cake!
Je Sors Acheter des Cigarettes
La Nuit des sacs Plastiques
Make it Soul