Vencedores de Cannes 2012

O grande vencedor de 2012: Michael Haneke e seu Amour

Era pra ser uma das melhores edições de Cannes nos últimos anos pelos nomes consagrados presentes na lista da cobiçada Palma de Ouro. Mas, talvez pelo excesso de altas expectativas, a premiação não se mostrou tão acirrada assim.

O presidente do júri deste ano, o cineasta italiano Nanni Moretti, tinha na seleção do festival trabalhos recém-saídos do forno de autores competentes como David Cronenberg, Michael Haneke, Jacques Audiard, Alain Resnais, Abbas Kiarostami, Wes Anderson, Ken Loach, Matteo Garrone, Thomas Vinterberg, Walter Salles entre outros. Quem não gostaria de premiar sabiamente diretores desse naipe?

Após algumas discussões entre os membros do júri (formado também por ilustres como o diretor Alexander Payne e a atriz Diane Kruger), os premiados foram anunciados pelo presidente Nanni Moretti:

PALMA DE OURO: Amour, de Michael Haneke

GRANDE PRÊMIO DO JÚRI: Reality, de Matteo Garrone

PRÊMIO DO JÚRI: The Angels’ Share, de Ken Loach

MELHOR DIRETOR: Carlos Reygadas (Post Tenebras Lux)

MELHOR ATOR: Mads Mikkelsen (The Hunt)

MELHOR ATRIZ: Cristina Flutur e Cosmina Stratan (Beyond the Hills)

MELHOR ROTEIRO: Cristian Mungiu (Beyond the Hills)

CAMERA D’OR: Beasts of the Southern Wild, de Benh Zeitlin

Grande Prêmio do Júri: Reality, de Matteo Garrone

Obviamente, como toda premiação e competição, não tem como agradar gregos e troianos, ainda mais em se tratando de Arte. A imprensa internacional reportou algumas críticas, sendo a ausência total de filmes franceses nessa seleção a maior delas. Entre eles, Holy Motors, de Leos Carax, foi a ausência mais sentida. Jean-Paul Gaultier, um dos membros do júri, justificou numa entrevista que, apesar de gostar bastante de filmes franceses, os indicados não agradaram o suficiente para ganharem um prêmio. E Moretti revelou que gostaria de premiar o filme Reality, de Matteo Garrone, com a Palma de Ouro, mas ponderou ao prever uma possível retaliação da mídia ao premiar um filme de seu conterrâneo. “Teria sido patriotada entre italianos”. E o Prêmio do Júri consagrou uma comédia do engajado diretor britânico Ken Loach: “The Angels’ Share é uma comédia muito humana e divertida”,

Controvérsias à parte, esta é a segunda Palma de Ouro do diretor alemão Michael Haneke. Ele ganhou a primeira vez há 3 anos pelo filme A Fita Branca, que chegou a concorrer ao Oscar de Filme Estrangeiro. Assim, ele integra uma ilustre lista de autores que venceram o prêmio máximo de Cannes 2 vezes que incluem: Jean-Pierre e Luc Dardenne, Emir Kusturica, Bille August e Francis Ford Coppola. Segundo o júri, o filme Amour deve grande parte de seus méritos ao casal de atores Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva, que interpretam Georges e Anne, um casal de idosos na casa dos 80 anos, que terão seus laços de amor testados quando ela sofre um ataque cardíaco.

Os atores Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva são aplaudidíssimos em Cannes

Desde 1997, com o polêmico filme Violência Gratuita (Funny Games), Haneke vem chamando a atenção como um cineasta que gosta de explorar temas aparentemente gratuitos mas sob um olhar diferenciado que normalmente dialoga com a própria linguagem do cinema. Foi assim com Código Desconhecido e Caché. E como o Festival de Cannes sempre buscou um cinema inovador, Haneke é novamente honrado.

Outro destaque do festival foi o diretor romeno Cristian Mungiu, que venceu a Palma de Ouro em 2007 pelo 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias sobre aborto. Nesta edição, seu filme faturou 2 prêmios: Melhor Atriz (com um empate técnico de Cristina Flutur e Cosmina Stratan) e Melhor Roteiro. Beyond the Hills conta uma história inspirada em caso real de exorcismo na Romênia que terminou na trágica morte da jovem em 2005. Mungiu defende seu filme ao revelar que gostaria de fazer um filme sobre a atualidade e a obediência cega às religiões. Particularmente, acho muito interessante ter um filme sobre exorcismo sob uma visão mais crítica do que o habitual filme de terror.

O diretor Cristian Mungiu no meio de suas atrizes novatas Flutur e Stratan

Já o dinamarquês Mads Mikkelsen, mais conhecido por ter interpretado o vilão Le Chiffre de 007 Cassino Royale, levou o prêmio de ator. Porém, ressalta que seu papel em The Hunt de abusador de criança foi um desafio muito grande. “O interessante do filme é tratar de abuso infantil sem acusações”, elogiou o ator.

Mads Mikkelsen recebe o prêmio da atriz Gong Li

E apesar da predominância de filmes americanos, nenhum deles recebeu prêmios. Obviamente, muitos foram bem comentados como Cosmópolis, do Cronenberg e The Paperboy, de Lee Daniels, mas saíram todos de mãos abanando. E o filme de Walter Salles, Na Estrada, foi bem recebido, contudo os membros do júri comentaram que adaptar uma obra de Jack Kerouac para o cinema é praticamente impossível. Sobre esse “esquecimento” de alguns desses diretores renomados, Moretti  tentou justificar polidamente: “Muitos diretores nos pareceram mais comprometidos com o próprio estilo do que em dar testemunhos sobre a realidade ou seus personagens”.

A 65ª edição de Cannes foi bastante democrática. Pode não ter sido unânime, mas não dava pra reclamar do júri. Agora, para nós brasileiros, resta aguardar o lançamento desses filmes em nossos cinemas. Espero que não dependam exclusivamente da Mostra Internacional de Cinema em outubro, pois está cada vez mais impossível de frequentar com público falastrão, ingresso caro e seleção de filmes fraca.

Indicados à Palma de Ouro de Cannes 2012

Pôster do 65º Festival de Cannes

Antes de anunciar os indicados ao prêmio máximo de Cannes, devemos ressaltar quem participa da bancada do júri. Digo isso porque já vi alguns casos em que o presidente favoreceu a premiação de determinado filme ou diretor (sim, exatamente o mesmo nepotismo frequente do mundo da política brasileira), sendo que Quentin Tarantino é o nome mais recorrente nessas polêmicas.

Em 2004, como presidente do júri de Cannes, ele premiou o documentário do norte-americano de Michael Moore, Fahrenheit 11 de Setembro e teve que negar publicamente que sua premiação não o favorecia devido aos ataques terroristas. E em 2011, como presidente do Festival de Veneza, sendo mais cara de pau ainda, premiou a norte-americana e ex-namorada Sofia Coppola com o Leão de Ouro pelo drama Um Lugar Qualquer, o que gerou protestos entre os concorrentes e a mídia. Dificilmente Tarantino deve voltar como presidente…

Nanni Moretti quando levou a Palma de Ouro por O Quarto do Filho

Este ano, escolheram o cineasta italiano Nanni Moretti para presidir o júri. Para quem não conhece, Moretti ficou marcado pelo seu estilo despojado em filmes de temática familiar. Ele mesmo já foi agraciado com a Palma de Ouro pelo tocante drama O Quarto do Filho em 2001 e, atualmente, está em cartaz aqui em São Paulo pelo drama Habemus Papam, que aborda uma crise no Vaticano.

Para sua bancada, foram convidados nomes importantes como o diretor Alexander Payne (que recentemente ganhou o Oscar de roteiro adaptado por Os Descendentes), a diretora britânica Andrea Arnold (que também levou um Oscar de curta-metragem pelo ótimo Wasp e o prêmio do Júri com Fish Tank em Cannes 2009), o ator Ewan McGregor (que esteve ao lado de Christopher Plummer em Toda Forma de Amor), a atriz alemã Diane Kruger (de Tróia e Bastardos Inglórios)  e até o costureiro mundialmente famoso Jean-Paul Gaultier.

Cartaz já “aportuguesado” do novo filme de Walter Salles com a estrela Kristen Stewart

Esta equipe de jurados terá o privilégio de assistir, analisar e votar filmes de grandes diretores como o mestre Alain Resnais e autores consagrados como Jacques Audiard, Michael Haneke, Abbas Kiarostami, Matteo Garrone, David Cronenberg e Ken Loach, muitos deles vencedores da Palma de Ouro em edições anteriores. Para a torcida brasileira, Walter Salles volta a concorrer pela terceira vez com um novo road movie intitulado Na Estrada (On the Road), baseado na obra homônima de Jack Kerouac.

Nessa disputa pelo prêmio, uma curiosidade acabou se destacando na mídia. Muito tem se falado desse “confronto artístico” entre a velha e nova geração do cinema francês representado respectivamente por Alain Resnais e Jacques Audiard. Enquanto o primeiro foi uma das faces da Nouvelle Vague e tem em seu currículo os marcos do Cinema: Hiroshima Mon Amour (1959) e O Ano Passado em Marienbad (1961), o outro está em extrema ascensão por O Profeta (2009) e De Tanto Bater Meu Coração Parou (2005). É claro que, em se tratando de Arte,  o termo “confronto” tem apelo midiático, mas certamente desperta o interesse para a leitura que o júri fará desses filmes.

Isabelle Huppert quando presidiu o júri de Cannes em 2009

Ao longo do festival, tentarei postar algumas críticas e comentários mais pertinentes publicados em jornais. Mas vendo a lista, é possível fazer algumas leituras e até arriscar uns palpites. Por exemplo, na categoria de Melhor Atriz, a veterana atriz francesa Isabelle Hupert tem grandes chances de conquistar seu terceiro prêmio de atriz. Além de estrelar o novo filme de Michael Haneke, Amour, atua num filme sul-coreano In Another Country. Este ano, ela tem uma forte concorrente de mesma nacionalidade: Marion Cottilard, que protagoniza Rust & Bone, de Audiard.

Palma de Ouro? Ainda é cedo para palpitar, pois os filmes sequer foram projetados em Cannes, porém acredito que Alain Resnais sai na frente por motivos óbvios.  Se seu filme You Haven’t See Anything Yet for bem recebido em sua premiere, o diretor já está com uma mão na taça, ou melhor, na Palma. Entretanto, isto não significa que não há forte concorrência.

Robert Pattison num filme de Cronenberg? Isso que é jogar tudo no vermelho…

Acredito que o novo filme de David Cronenberg é um dos fortes candidatos. O diretor canadense que ficou conhecido por explorar como ninguém o aspecto físico de seus personagens como em A Mosca (1986) e Crash – Estranhos Prazeres (1996), tem amadurecido cada vez mais o aspecto sócio-psicológico em Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2008). Resta saber se sua aposta na sensação das adolescentes Robert Pattison (da série Crepúsculo) como protagonista estará à altura. Será que ele consegue extrair algum talento do jovem assim como fez com Viggo Mortensen? Esperamos que sim, pois o Cinema atual necessita de mais atores que estejam dispostos a arriscar.

Aliás, nessa mesma questão, entra o ator Zac Efron, mundialmente conhecido pelos filmes musicais da Disney: High School Musical. É claro que nem sempre dá pra começar a carreira com papéis mais densos, mas a busca constante por novos desafios transforma um ator medíocre num bom ator pelo menos. Não dá pra garantir que será um ator excepcional, pois isso depende dos estudos dos métodos, análise profunda dos personagens e claro, do próprio dom para a coisa. Recentemente, li numa entrevista que Efron tem procurado se desvencilhar da fama de bom moço através da escolha de papéis mais dramáticos e agora, conseguiu dar um passo muito importante ao protagonizar The Paperboy, dirigido por Lee Daniels (indicado ao Oscar por Preciosa). Se sua atuação já demonstra sinais de amadurecimento só o tempo dirá, mas pode se tornar algo promissor.

Apesar de alguns favoritismos e de uns deslizes de júris, o Festival de Cannes tem sempre buscado premiar os filmes mais instigantes que almejam algo inovador ou experimental em algum aspecto fílmico. Ano passado, Robert De Niro premiou A Árvore da Vida, de Terrence Malick, pelo belo espetáculo visual e a forma inusitada como a vida é enxergada. Há pessoas que amam e outras que odeiam o filme, mas todos concordam com essas qualidades. Cannes quer conceder a Palma de Ouro para a melhor qualidade num filme. O gosto é encarado de forma subjetiva, afinal, nunca dá pra agradar gregos e troianos.

Indicados à Palma de Ouro 2012:

Lee Daniels aposta em Zac Efron. Parece que ele quer se livrar do High School Musical.

Lawless, de John Hillcoat

In the Fog (V Tumane), de Sergei Loznitsa

Rust & Bone (De Rouille et d’os), de Jacques Audiard

Amour, de Michael Haneke

Reality, de Matteo Garrone

The Taste of Money (Do-niu Mat), de Sang-Soo Im

You Haven’t Seen Anything Yet (Vous n’avez encore rien vu), de Alain Resnais

Na Estrada (On the Road), de Walter Salles

Post Tenebras Lux, de Carlos Reygadas

Beyond the Hills (Dupa Dealuri), de Cristian Mungiu

Mud, de Jeff Nichols

Cosmópolis, de David Cronenberg

The Hunt (Jagten), de Thomas Vinterberg

Paradise: Love (Paradies Liebe), de Ulrich Seidl

The Angel’s Share, de Ken Loach

Like Someone in Love, de Abbas Kiarostami

Holy Motors, de Leos Carax

Killing Them Softly, de Andrew Dominik

The Paperboy, de Lee Daniels

In Another Country (Da-reun na-ra-e-suh), de Sang-Soo Hong