007 – Operação Skyfall (Skyfall), de Sam Mendes (2012)

007 – Operação Skyfall

Após um longo hiato de quatro anos, finalmente a franquia mais lucrativa do cinema retorna às telas do cinema. 007 – Operação Skyfall acabou sofrendo esse atraso devido ao processo de falência do estúdio MGM (Metro Goldwyn Meyer), mas agora os produtores asseguraram que esse equívoco não voltará a acontecer, lembrando que Daniel Craig já assinou novo contrato para mais dois filmes com lançamento previsto para 2014 e 2016, com produção e filmagens acontecendo simultaneamente, dando a entender que se tratam de filmes sequenciais.

Com a aproximação da data comemorativa de 50 anos de James Bond, os produtores da série Barbara Broccoli e Michael G. Wilson buscavam algo grandioso que causasse uma reformulação. Para isso, chamaram o vencedor do Oscar de direção por Beleza Americana, Sam Mendes, para comandar o show. Em entrevista, Mendes revela que só passou a aceitar a idéia de dirigir um filme de Bond depois que o diretor Marc Forster foi convocado para assumir 007 – Quantum of Solace (2008), uma vez que Forster tem raízes mais autorais com uma filmografia que inclui o forte drama A Última Ceia (que rendeu o Oscar de melhor atriz para Halle Berry) e o drama O Caçador de Pipas, baseado no best-seller de Khaled Hosseini.

Sam Mendes (a esq.) dirigindo Daniel Craig na sequência inicial

Essa preocupação de Sam Mendes se mostra bastante pertinente, pois os diretores que assumem os filmes costumam ter esse rótulo de marionete dos produtores, não tendo qualquer poder e palavra final, algo considerado um terror pra diretores autorais como Mendes. Além desse aspecto, ele declarou numa entrevista ao site The Playlist que antes de aceitar a proposta, não considerava um desafio atraente. “Eu nunca fui interessado e não acho que vi todos os filmes com o Pierce Brosnan. Mas quando Daniel Craig foi escalado em 007 – Cassino Royale (2006), passei a me interessar porque ele era um amigo com quem trabalhei em Estrada Para a Perdição (2001). Inicialmente não considerei uma boa escolha, mas aí eu vi o filme e mudei de idéia, e até fiquei ansioso para ver o próximo. Fiquei levemente desapontado com 007 – Quantum of Solace, contudo acho que existem coisas boas numa boa olhada. Mas quando encontrei Daniel e ele me perguntou se eu estava interessado ou não, fui pego de surpresa dizendo sim de forma rápida. Foi apenas um bom timing.”

Com a contratação do diretor acertada, seus colaboradores assíduos tomaram as posições em seus respectivos departamentos. Assim, a série ganhou muito em qualidade, especialmente na trilha musical, com Thomas Newman substituindo David Arnold, e a fotografia belíssima de Roger Deakins, indicado nove vezes ao Oscar, mas sem nenhuma vitória. Aliás, não é exagero algum afirmar com certeza que o trabalho de fotografia de Deakins é o melhor de toda a série (23 filmes). Todas as sequências são imageticamente deslumbrantes, em especial ao clímax que se passa na Escócia, quando o vilão Silva destrói um casarão com granadas (foto abaixo).

O vilão Silva num belíssimo contra-luz do diretor de fotografia Roger Deakins

Para o roteiro, os frequentes Neal Purvis e Robert Wade, que trabalham em conjunto desde 007 – O Mundo Não é o Bastante (1999), receberam suporte final do competente John Logan, indicado ao Oscar três vezes por Gladiador (2000), O Aviador (2004) e o recente A Invenção de Hugo Cabret (2011). Seu trabalho deu muito mais consistência ao trabalho da dupla, além de diálogos marcantes entre Bond e seu algoz, mas vale ressaltar que algumas idéias principais foram copiadas de Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008), de Christopher Nolan, principalmente no fato do vilão Raoul Silva ser um anarquista cibernético e em seguida se deixar ser preso de forma planejada para que pudesse fazer mais estrago e atingir seu objetivo como fez o Coringa de Heath Ledger.

Para acompanhar a influência de Nolan, o diretor Sam Mendes confirmou a importância que o segundo filme da trilogia de Batman para a realização de 007 – Operação Skyfall. “Estamos agora numa indústria onde os filmes são muito pequenos ou muito grandes e não há quase nada no meio. E seria uma tragédia se todos os filmes sérios fossem muito pequenos e todos os filmes pipoca fossem muito grandes e não tivessem nada a dizer. E o que Nolan provou é que você pode fazer um filme enorme que seja emocionante e divertido, e ao mesmo tempo, ter um monte de coisas a dizer sobre o mundo em que vivemos. E olha que Batman – O Cavaleiro das Trevas nem se passa em nosso mundo! Parecia que o filme era sobre o nosso mundo pós-11 de setembro, discutindo sobre nossos medos e por que eles existiam e achei que aquilo era incrivelmente corajoso e interessante. Isso ajudou a me dar a confiança para assumir este filme em direções que, sem Batman, não poderia ter sido possível. E não seria necessário temer uma reação negativa do público, pois dá pra se apoiar no tom negro do filme de Nolan que faturou zilhões de dólares nas bilheterias. Quer dizer, é possível fazer um filme mais obscuro que as pessoas querem ver.”

Além da base anarquista e a obsessão por destruição do Coringa, o vilão Raoul Silva apresenta como base outra personalidade contemporânea fortíssima: Julian Assange, o porta-voz do site WikiLeaks. Em 2006, o jornalista australiano e ciberativista se tornou o editor-chefe da WikiLeaks, um site de denúncias e vazamentos, responsável pela publicação de documentos secretos do governo do Quênia, de resíduos tóxicos na África, e a forte denúncia sobre o tratamento dado aos prisioneiros da Prisão de Guantánamo, que ele obtém como hacker de sites de algumas nações. Com ninguém satisfeito com a invasão de Assange, ele perdeu a cidadania sueca e desde junho desse ano, foi obrigado a se refugiar na embaixada do Equador em Londres, onde vive até hoje sob fortes ameaças. O vilão de Bond pegou emprestado o visual loiro e sua estratégia de vazar a identidade secreta de agentes britânicos infiltrados em facções terroristas no Youtube.

O vilão Raoul Silva (Javier Bardem). No detalhe, Julian Assange.

Com esse perfil cibernético, o personagem de Silva poderia facilmente ser um homem mais franzino, mas como os fãs da série preferem vilões que Bond possa ter uma luta corpo-a-corpo equilibrada, chamaram o encorpado Javier Bardem, que certamente ganhou o papel depois de assustar a todos com seu personagem Anton Chigurh de Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), dos irmãos Coen. Curiosamente, Bardem é o primeiro ator espanhol a interpretar o vilão principal do agente 007 e ele o fez com maestria. Seu Raoul Silva aparece na tela a partir da segunda metade do filme e mesmo assim consegue aparentar uma constante ameaça. Pelas qualidades citadas acima, já entraria para a galeria dos vilões de Bond mais memoráveis, mas existe uma outra vertente que o torna ainda mais interessante: seu lado homo-erótico. Sim, James Bond tem um antagonista homossexual! Obviamente, essa opção sexual do vilão fica apenas sugerida e nunca explícita por se tratar de um filme altamente comercial, no entanto, em sua primeira aparição, Silva senta em frente a Bond amarrado numa cadeira e abre sua camisa para checar seus ferimentos (foto abaixo), enquanto profere palavras de duplo sentido.

James Bond encara Raoul Silva pela primeira vez com um diálogo picante

Para este fã de James Bond, o fato do vilão ter tendências homossexuais não impressiona. Aliás, até torna as coisas mais interessantes! Mas a resposta que James dá a uma indireta de Silva causou certo furor na minha sessão, repleta de fanáticos pelo agente secreto. (Para quem não viu o filme e não quer saber, não leia o fim deste parágrafo). Quando Silva sugere que Bond experimente uma nova experiência sexual, ele retruca um inesperado “e quem disse que é a minha primeira vez?”, deduzindo que o agente secreto mais mulherengo da história do cinema seria bissexual! 50 anos de Bond e os roteiristas entregam uma faceta totalmente inédita do personagem de Ian Fleming. Aliás, estaria ele rolando em seu caixão depois dessa? Com certeza, muitos fãs machistas adoradores da masculinidade extrema de Connery ficaram pasmos e irritados.

Apenas uma curiosidade em relação ao homossexualismo de Silva, apesar de muitos acreditarem que se trata do primeiro vilão gay da série, os assassinos mercenários Mr. Kidd e Mr. Wint foram os primeiros em 007 – Os Diamantes São Eternos (1971), estrelado por Sean Connery. Contudo, o homossexualismo da dupla se mostra mais uma amizade colorida e inofensiva. Em defesa de seu personagem, Javier Bardem comentou que o sexualismo exposto demonstraria poder diante de um oponente forte como Bond: “A cena era mais sobre colocar outra pessoa em uma situação muito desconfortável, tanto que até James Bond não saberia como resolver”.

Há muito tempo não víamos um vilão de Bond com fortes características sexuais. O último foi a sádica Xenia Onnatop, interpretada por Famke Janssen em 007 Contra GoldenEye (1995). Ela tinha orgasmos múltiplos ao matar pessoas e tinha como golpe favorito torcer suas pernas em volta do abdômen da vítima e asfixiá-la. Com tamanhas qualidades, ficou marcada na história de Bond como uma das melhores vilãs.

Seguindo com as comemorações dos 50 anos, existem algumas boas referências dos filmes anteriores como o automóvel Aston Martin DB5, com assento do passageiro ejetável, utilizado em 007 Contra Goldfinger, e principalmente na reformulação das personagens clássicas e fixas da série como o chefe de Bond, M, sua secretária Miss Moneypenny, e o que a maioria dos fãs estavam aguardando: o retorno do mestre-quarteleiro Q.

Na cena de introdução de Q, Ben Wishaw e Daniel Craig têm um diálogo bastante esclarecedor a respeito dos novos tempos tecnológicos, defendendo muito bem o motivo do personagem reaparecer tão jovem (o ator que viveu Q, Desmond Llewelyn estreou em Moscou Contra 007 (1963) com quase 50 anos de idade). Assim que Q se apresenta com aquele look nerd (óculos, penteado meio emo e aparência franzina), 007 não se aguenta e responde: “Você deve estar brincando.”

Apesar do diálogo esclarecedor, por se tratar de uma série antiga, houve críticas à juventude de um personagem conhecido como um senhor mais experiente e conservador. Contudo, como mostrado em A Rede Social, a nova geração de nerds realmente se mostra muito poderosa no mundo de hoje.

Ben Wishaw como o novo Q, armeiro do MI6. Começando com uma Walther PPK e um rádio transmissor.

Além da forte presença de M (Judi Dench), 007 – Operação Skyfall faz bonito na escalação das Bond girls. Ao contrário da época de Sean Connery e Roger Moore, as mulheres deixaram há muito de serem figuras frágeis e dóceis. Nesta produção, duas personagens femininas tridimensionais integram o hall das Bond girls como uma das melhores duplas dos últimos anos. A atriz francesa Bérénice Marlohe vive a misteriosa Sévérine, que presencia um assassinato e se torna peça chave no quebra-cabeça que James Bond deve seguir. Com um olhar bastante forte e sensual, Marlohe demonstra a fragilidade necessária para atrair Bond, deixando sua marca no filme, mesmo que em poucas cenas.

Bérénice Marlohe como a misteriosa Sévérine

Por este lado da lei, temos outra Bond girl excepcional, a britânica Naomie Harris. Ela teve seu primeiro papel de destaque no terror de zumbis moderno de Extermínio (2002), de Danny Boyle, e nos anos seguintes, atuou em alguns filmes de ação em destaque como Piratas do Caribe: O Baú da Morte (2006), Piratas do Caribe: No Fim do Mundo (2007), Miami Vice (2006) e curiosamente em O Ladrão de Diamantes (2004), estrelado pelo então James Bond, Pierce Brosnan. Com maior experiência em ação, Harris foi escalada para viver a agente novata Eve, que tem participação fundamental na sequência inicial.

Naomie Harris como Eve

Como se trata de um personagem altamente sexual, vale ressaltar aqui que em 007 – Operação Skyfall, James Bond tem relações com três mulheres, algo que nunca aconteceu desde que Daniel Craig assumiu o smoking. Seria um sinal de retomada até nesse quesito? Felizmente, os produtores souberam escolher belíssimas atrizes. Bérénice Marlohe, Naomie Harris e Tonia Sotiropoulou formam a grande beleza do filme.

Aliás, ainda no assunto da presença feminina, a cantora de sucesso Adele compôs a música-tema homônima Skyfall, que foi lançada na internet no dia 05 de outubro, quando Bond completava 50 anos. Além de já ter alavancado um grande sucesso nas paradas, sendo uma das mais compradas no iTunes, a canção remete ao tom mais clássico das músicas de 007, especialmente Shirley Bassey e sua majestosa Goldfinger. Pelo sucesso da canção, da intérprete Adele e do filme nas bilheterias, existe uma forte possibilidade de ser indicada a Melhor Canção Original no Oscar 2013, fato que não acontece desde 1982, quando For Your Eyes Only de Sheena Easton (007 – Somente Para Seus Olhos) foi indicada ao Oscar. Segue vídeo com a música de Adele abaixo:

Contudo, a figura feminina mais importante certamente é M. Sua personagem se encontra sob forte pressão neste filme e representa as mudanças necessárias para entender o mundo de hoje do pós-11 de setembro sob o olhar da segurança da sociedade.

Judi Dench como a chefe operacional M

Após o atentado, muitos se questionam se as autoridades estão realmente preparadas para esse novo tipo de ameaça. Esse constante e contínuo medo assola toda a população, que teme novos atentados pelo mundo todo. E este novo filme de 007 traz essa questão à tona, colocando uma ultrapassada porém experiente M numa audição com uma jovem Ministra de Defesa, respondendo à pergunta: “Qual o papel de agentes secretos no século XXI?”. Devido aos recentes erros que M cometeu, dá a entender que ela está defasada para o cargo, porém, ela defende a importância e o valor de seus espiões subordinados diante da invisibilidade do inimigo de hoje, pois não tem nação ou bandeira para identificá-lo. Esse cenário repleto de paranóia e racismo é o pano de fundo dos últimos filmes de James Bond, que sempre primaram em refletir características da sociedade de sua época. 007 – Operação Skyfall adiciona mais um importante capítulo deste início do século XXI.

O 23º filme de Bond vale por tudo isso, mas o fato de alguns elementos principais terem sido quase um plágio de Batman – O Cavaleiro das Trevas me incomodou um pouco. Além disso, pecou pela quebra de ritmo no meio do filme (cabiam mais umas duas sequências de ação) e a sequência final com o vilão Silva se tornou morosa e desgastante pra pouca novidade. Também acrescento que a personagem de Albert Finney, o velho Kincade, ficou mal aproveitado.

Skyfall deu um passo importante na série. Os produtores provaram que estão dispostos a largar o conservadorismo de vez e inserir James Bond em seu devido lugar no século XXI. Esperamos que o nível de qualidade do diretor escolhido para a próxima aventura esteja do mesmo nível de Sam Mendes, assim como os atores principais. Valeu também pela inclusão de Ralph Fiennes, pois os filmes ganham uma credibilidade notória com sua presença.

Avaliação: BOM

A equipe principal responsável por 007 – Operação Skyfall. Da esquerda para a direita: Javier Bardem, Bérénice Marlohe, Sam Mendes, Judi Dench, Daniel Craig, Naomie Harris e os produtores Barbara Broccoli e Michael G. Wilson (photo by Sony Pictures realeasing)

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