Drive (Drive), de Nicolas Winding Refn (2011)

Drive, de Nicolas Winding Refn

Filme trabalha minúcias e nuances para cobrir diálogos escassos

Não, não usufruí de meios ilegais para conferir Drive antes de sua estréia no Brasil. Consegui uma cópia em blu-ray, liguei as caixas de som e  mandei ver. Confesso que tive uma expectativa alta um tempo atrás porque muitos críticos e cinéfilos elegeram o longa como o melhor filme de 2011 (e recentemente foi esnobado pela Academia, indicado apenas para Melhores Efeitos Sonoros).

Carga Explosiva: personagem semelhante?

A primeira vez que o filme chamou atenção foi no último Festival de Cannes, no qual fora indicado para a Palma de Ouro e levou o prêmio de Melhor Diretor. Foi a partir dali que percebi que não se tratava de um mero filme de ação. Aliás, muitos que assistirem a Drive, especialmente aqueles viciados nos 46 filmes da série Velozes e Furiosos, poderão até acusar o filme de plágio, pois pela sinopse, há alguns elementos semelhantes com Carga Explosiva (The Transporter, 2002). “Um motorista trabalha entregando pacotes sem fazer perguntas. Complicações surgem quando ele quebra sua regra” poderia ser a mesma sinopse para ambas as produções. Porém, já aviso desde já para que não haja espectadores decepcionados que costumam sair indignados da sala e pôr a culpa no filme que são duas produções completamente diferentes. Já presenciei esses espectadores indignados quando fui ver o belo filme sueco Let the Right One In e o público xingou até a avó da pessoa que inventou o marketing do cartaz: “Se você gostou de Crepúsculo, vai adorar este filme”.

Felizmente, as semelhanças entre Carga Explosiva e Drive terminam na sinopse. Ryan Gosling entrega um motorista hábil (e não que faz milagres como o personagem de Jason Statham) e que de dia ganha a vida sendo dublê de filmes e mecânico, e de noite, recolhe assaltantes da cena do crime. Homem de pouquíssimas palavras, o Driver possui algumas regras rígidas para sua própria segurança, e como na vida pessoal, mantém-se fechado em sua rotina. Até que ele sai do casulo quando seu instinto protetor acolhe sua vizinha Irene (vivida pela ótima Carey Mulligan) e seu filho pequeno Benicio, cujo pai está na cadeia.

É muito interessante ver a forma como dois personagens tão quietos e contidos demonstram interesse mútuo, assim como a interpretação dos atores. Eles trabalham essa importante química através de olhares tão intensos quanto despretensiosos que parecem durar vários minutos, dispensando contato físico. E esse sentimento tão forte, porém tão contido, faz com a paixão se eleve à sua essência e conquiste o público e sua torcida.

Ryan Gosling e Carey Mulligan: atuações contidas que não desgastam

Essa “tática” se mostra indispensável, uma vez que o marido de Irene retorna da prisão e interrompe os pombinhos. Como o Driver se apegou demais à sua nova família, ele oferece ajuda ao marido enrrascado com uma dívida através de seu serviço atrás do volante. E é aí que as coisas se complicam para todos.

Bullitt, de Peter Yates: Ótima referência.

Devido à trama simples, poderia terminar um filme arroz-com-feijão, mas a abordagem de Nicolas Winding Refn faz toda a diferença. Ele absorve referências clássicas dos filmes estrelados por Steve McQueen (especialmente Bullitt), o Homem Sem Nome e calado de Clint Eastwood dos western spaghettis, e a violência dos filmes de Quentin Tarantino e até do filme coreano Oldboy pela sequência do martelo.

Contudo, mesmo desfrutando da fonte de outros cineastas, Drive é um filme de Nicolas Winding Refn. Ele cria tensão de forma dramática, utilizando-se de todas as suas ferramentas como a atuação de seu elenco; pela fotografia que explora a luz do sol e o brilho da metrópole; pela montagem que varia de cortes rápidos numa cena de perseguição à câmera lenta pontuada pela trilha de batida de Cliff Martinez. E, ciente do silêncio e escassez de diálogo de seus personagens centrais, o diretor escolhe à dedo algumas canções que, pela letra, expressam os pensamentos como “A Real Hero” da banda alternativa brasileira College e “Under Your Spell”, de Desire. Além disso, a forte presença das músicas dão um tom meio melancólico à la anos 80, quando as canções permeavam a história.

Nicolas Winding Refn: dinamarquês pousa em Hollywood com futuro brilhante

Aliás, o personagem de Albert Brooks, o agiota ex-produtor de cinema, Bernie Rose, tem um diálogo meio saudosista ao relembrar suas produções cinematográficas: “Eu produzia filmes. Nos anos 80. Tipo filmes de ação. Coisa sexy. Um crítico os chamava de Europeus. Eu achava que eram uma merda”. Pode soar estranho, mas interpretei essa deixa como uma espécie de crítica ao cinema atual de pirotecnias vazias.

Realmente Drive se mostra um filme atípico, pois insere conteúdo numa trama de ação, com inteligência e precisão, evitando excessos desnecessários (as chamadas “firulas”). As minúcias do diretor dinamarquês ainda têm lugar num detalhe de uma perseguição, pois a capotagem de um carro é mostrada numa tomada dentro do veículo com a atriz dentro. 

Apesar de tantas qualidades e prêmios de várias associações de crítica como o LAFCA, NYFCC e National Board of Review, Drive foi esnobado pelo Oscar. Muitos esperavam pela menos uma indicação para Albert Brooks como coadjuvante, montagem e até diretor, ator e filme. Mas os conservadores da Academia falaram mais alto e a violência extrema do filme acabou sendo uma barreira. Acontece. Com certeza Cidade de Deus, Tropa de Elite, filmes coreanos sofreram com isso antes. Por que não Drive?

Infelizmente, houve manifestação pelo Twitter pela ausência no Oscar. Enquanto Albert Brooks postou um “You don’t like me. You really don’t like me” (Vocês não gostam de mim. Vocês realmente não gostam de mim) – fazendo menção ao discurso de Sally Field quando ganhou seu segundo Oscar (“You like me. You really like me!”), o indignado Russell Crowe fez uso de toda sua sutileza com um “Ryan Gosling didn’t get an Academy nomination? There’s some bullshit right there” (Ryan Gosling não foi indicado? Tem alguma merda aí).

Albert Brooks: foi garfado no Oscar?

Na parte da indignação, concordo plenamente pois caberia um reconhecimento maior ao filme do que apenas melhores efeitos sonoros (sem querer desmerecer a categoria e os profissionais que ficam semanas vivendo num estúdio de som). Mas esse tipo de manifestação acaba colaborando com a idéia de que na Arte existe melhor ou pior.

Tudo Pelo Poder (The Ides of March), de George Clooney (2011)

Tudo Pelo Poder

EM SEU 4º FILME, CLOONEY BUSCA OBSERVAR A NATUREZA HUMANA NUMA CAMPANHA ELEITORAL

Tudo Pelo Poder poderia ser mais um drama político chato e clichê, com aquela mensagem moralista que normalmente marca esse gênero, pois conta a trajetória da campanha de um governador rumo à presidência com alguns escândalos políticos a varrer para debaixo do tapete. Até o pôster (acima) parece dizer isso! Contudo, nas mãos de George Clooney, tornou-se um filme honesto, leve e eficiente.

Assim como outros atores que assumiram a cadeira de diretor, como Robert Redford e Clint Eastwood, George Clooney procura repassar seu conhecimento de direção de atores em cada filme seu. E olha que ele já trabalhou com profissionais consagrados como Steven Soderbergh, os irmãos Coen e Terrence Malick. Por esse motivo, o trabalho de atuação é a melhor qualidade deste novo filme. Ryan Gosling, Evan Rachel Wood, o próprio Clooney, Phillip Seymour Hoffman, Paul Giamatti, Jeffrey Wright e Marisa Tomei formam um conjunto tão consistente que seguram a barra quando a trama ainda está esquentando.

Particularmente, Ryan Gosling e Evan Rachel Wood apresentam as melhores performances. Enquanto ele está em plena ascensão (em 2011, estrelou também Drive e a comédia romântica Amor à Toda Prova, pelo qual também foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Ator – Comédia ou Musical), Evan está em processo de amadurecimento (desde o drama Aos Treze, de 2003, até 2008, quando atuou ao lado de Mickey Rourke em O Lutador).

Apesar do filme girar em torno do candidato do partido democrata, o longa acompanha o trabalho do coordenador da campanha Stephen Meyers, vivido por Ryan Gosling, que se envolve num polêmico encontro com o coordenador

Clinton e Lewinski: Sexo oral na mídia

do partido republicano (Paul Giamatti)e, em seguida, uma “escapadela” do governador com uma estagiária (Evan Rachel Wood). Quando vi o trailer e li a sinopse, pensei que o filme se tratava de uma reprodução do polêmico affair do então presidente americano Bill Clinton com a estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky, nos anos 90. Mas  a história era outra. Além de se passar na época da candidatura, o filme troca o sexo oral inofensivo por uma gravidez. E pelo menos Evan Rachel Wood é bem mais atraente que a rechonchudinha sem graça Lewinsky.

Mas George Clooney não está necessariamente interessado em resgatar casos antigos simplesmente para contar uma boa história. A mensagem desse filme parece refletir uma insatisfação pública cada vez mais forte nos EUA em relação ao atual presidente Barack Obama. Boa parte da população parece culpá-lo por essa crise que assola o país, ignorando o fato de Obama ter assumido o controle de um barco furado deixado por George W. Bush. Para quem acompanhou sua candidatura em 2008, cansou de ver os pôsteres estilizados com o rosto de Obama e ouvir os dizeres “Yes, we can”. E George Clooney se aproveita disso e cria um pôster semelhante para seu personagem Mike Morris com o intuito de fazer essa ponte de sua trama com a realidade.

Morris/Obama: alguma semelhança?

Mesmo se tratando de um filme com teor político, Clooney usa o cenário de campanha eleitoral como pano de fundo para criticar os efeitos desgastantes da natureza das novas mídias políticas em seus personagens, que vivem sob pressão do início ao fim. No final dessa maratona, o espectador se pergunta se um candidato consegue permanecer fiel a seus valores até chegar à presidência, pois há uma batalha constante de interesses, onde todos são mascarados.

E os cuidados da direção de Clooney não páram por aí. Ele busca meios concisos de transpôr seu roteiro do papel para a película. Duas cenas em particular me chamaram a atenção. Na primeira ocorre uma demissão. Ela dura cerca de 1 minuto e se passa dentro de um automóvel, mas não vemos nada no interior. O que vemos é um personagem entrando no veículo e ao fim, saindo. Não há diálogo, nem trilha, mas diz tudo. E a segunda, ocorre durante uma conferência de imprensa e um toque de celular que a interrompe. Mais uma vez sem diálogo. É esse tipo de cena que vejo em falta em alguns filmes americanos de hoje, inclusive em bons diretores como Christopher Nolan, que parece não dispensar nem uma linha sequer de diálogo de seus roteiros.

Tudo Pelo Poder concorreu ao Leão de Ouro no último Festival de Veneza e agora, voltou às colunas graças às suas 4 indicações ao Globo de Ouro: Melhor Filme – Drama, Melhor Ator – Drama (Ryan Gosling), Melhor Diretor (George Clooney) e Melhor Roteiro (George Clooney, Grant Heslov e Beau Willimon). Apesar de não acreditar em nenhuma vitória para o filme, talvez a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood resolva premiar George Clooney em uma categoria por ele ser uma figura muito querida com os repórteres (sim, com os homens também).