Jackie Chan, Anne Coates, Lynn Stalmaster e Frederick Wiseman serão os homenageados do Governors Awards

governors-ball

Da esquerda para direita: Jackie Chan, Anne V. Coates, Lynn Stalmaster e Frederick Wiseman (photo by Rex/Shutterstock/ Invision/AP through Variety)

HOMENAGEADOS ABRANGEM 4 ÁREAS DISTINTAS:
ATUAÇÃO, MONTAGEM, CASTING E DOCUMENTÁRIO

Olá, gente! Primeiramente, gostaria de pedir desculpas pelo atraso em postar aqui. Recentemente, mudei de residência e com isso, acabei não postando os indicados ao Festival de Veneza! Quando os vencedores forem divulgados, prometo que postarei.

Bom, a Academia revelou esta semana os profissionais que serão homenageados na cerimônia Governors Awards, que acontece no próximo dia 12 de novembro: o ator Jackie Chan, a montadora Anne V. Coates, o diretor de casting Lynn Stalmaster e o documentarista Frederick Wiseman.

“O Oscar Honorário foi criado para artistas como Jackie Chan, Anne Coates, Lynn Stalmaster e Frederick Wiseman – verdadeiros pioneiros e lendas em seus respectivos ofícios,” declarou a presidente da Academia Cheryl Boone Isaacs. “O conselho se orgulha por honrar suas extraordinárias conquistas, e esperamos ansiosamente para celebrar com eles no Governors Awards em Novembro.”

Após a atitude abrangedora da presidente Isaacs através dos convites para membros de todas as raças e nacionalidades, homenagear o hong-konguês Jackie Chan e a britânica Anne Coates parece ser uma nova extensão de sua política acolhedora.

Li alguns comentários de internautas perguntando: “O que Jackie Chan fez para merecer essa homenagem?” Se formos pela lógica da idade, comparado aos demais homenageados desta edição, Jackie realmente é um bebê, mas vale lembrar que ele já tem seus 62 anos. Já pela lógica de merecimento, temos que reconhecer que se trata de um ator internacional, que já atuou, escreveu, dirigiu e produziu mais de 30 filmes de artes marciais em Hong Kong. Dentre seus filmes mais famosos estão A Hora do Rush (trilogia), Bater ou Correr, a refilmagem de Karatê Kid e a trilogia de animação Kung Fu Panda.

MCDRUHO EC002

Jackie Chan ao lado de Chris Tucker em cena de A Hora do Rush 2 (photo by New Line Cinema)

Além disso, acredito que o Oscar Honorário também tem esse propósito de premiar profissionais que dificilmente concorrerão ao Oscar competitivo. Claro que Jackie Chan pode interpretar um papel bem dramático e acabar ganhando a estatueta, mas as chances disso acontecer são mínimas. E vale lembrar aqui de Bruce Lee, outra lenda dos filmes de artes marciais. Tenho certeza de que se ele tivesse vivido por mais tempo, a Academia teria lhe reservado um Oscar Honorário.

Dos 4 homenageados, apenas Anne V. Coates foi indicada e venceu o Oscar. Sua vitória foi pelo clássico de David Lean, Lawrence da Arábia, de 1962. Ele foi indicada também por Becket – O Favorito do Rei, O Homem Elefante, Na Linha do Fogo e Irresistível Paixão. E, assim como todos os homenageados, ela continua trabalhando. Sua montagem mais recente foi pelo hit feminino Cinquenta Tons de Cinza.

A homenagem a Stalmaster pode e deve ter uma positiva repercussão no departamento de casting. Trata-se de uma profissão importantíssima para os filmes hollywoodianos, pois pesquisa e descobre os atores mais adequados para os mais diversos papéis. O fato de uma veterana ser devidamente reconhecida pode finalmente concretizar a categoria competitiva no Oscar. Lynn Stalmaster já foi responsável pela escalação de grandes atores em filmes como A Primeira Noite de um Homem, Um Violinista no Telhado, Amargo Pesadelo, Tootsie (alguém teria imaginado Dustin Hoffman como uma mulher?) e Os Eleitos.

Já Frederick Wiseman vem produzindo documentários com uma frequência inacreditável de um filme por ano desde 1967. Em busca de um olhar mais antropológico, ele se aventura em todos os tipos de temas, desde violência doméstica, cidades, hospitais psiquiátricos até cabarés.

In_Jackson_Heights_Still

Cena do documentário In Jackson Heights, sobre uma das cidades mais diversificadas do mundo. (photo by hollywoodreporter.com)

Tendo uma cerimônia não-televisionada, o Governors Awards se mostrou um sucesso, já que permite homenagens com videoclipes, introduções caprichadas e discursos morosos que carreiras excepcionais necessitam, algo que seria inviável numa cerimônia ao vivo como a do Oscar.

Seguem os homenageados das últimas edições:

2009: Lauren Bacall, John Calley, Roger Corman, Gordon Willis

2010: Jean-Luc Godard, Kevin Brownlow, Francis Ford Coppola, Eli Wallach

2011: James Earl Jones, Dick Smith, Oprah Winfrey

2012: Jeffrey Katzenberg, Hal Needham, D.A. Pennebaker, George Stevens Jr.

2013: Angelina Jolie, Angela Lansbury, Steve Martin, Piero Tosi

2014: Harry Belafonte, Jean-Claude Carrière, Maureen O’Hara, Hayao Miyazaki

2015: Spike Lee, Debbie Reynolds e Gena Rowlands

Django Livre (Django Unchained), de Quentin Tarantino (2012)

Pôster de Django Livre (foto por pipocamoderna.com.br)

Pôster de Django Livre (foto por pipocamoderna.com.br)

Tarantino retoma projeto pessoal, recebe críticas, mas leva 5 indicações ao Oscar

Depois do sucesso comercial dos dois volumes de Kill Bill (2003 e 2004), o diretor Quentin Tarantino resolveu abrir seu baú e revisitar antigos projetos pessoais. Entre eles, estavam Bastardos Inglórios (2009) e este Django Livre. Conhecido por seu dom de criação de diálogos afiados e seu repertório infinito de referências do universo pop, ele expôs os projetos ousados à luz do sol e agora colhe os frutos: 1 Oscar para Bastardos e 5 indicações para Django Livre.

Fã assíduo do western spaghetti dos diretores italianos Sergio Corbucci e Sergio Leone, ao contrário de muitos diretores, Tarantino faz questão de mostrar as devidas credenciais de suas referências. Ele usa a trilha original de Luis Bacalov de Django (1966), de Corbucci, além de trilhas do compositor Ennio Morricone, colaborador de Leone em Três Homens em Conflito (1966) e Era Uma Vez no Oeste (1968), denotando a extrema importância de suas fontes de inspiração para a criação de um novo material. Tomando como base “nada se cria, tudo se transforma”, Tarantino se tornou um artista que trabalha com recicláveis como ninguém. Acredito ainda que ele pode ser um dos cineastas-símbolo dessa geração atual que pouco cria e que celebra muito o vintage.

Quentin Tarantino busca o melhor ângulo que aprendera do mestre Sergio Leone (photo by BeyondHollywood.com)

Quentin Tarantino busca o melhor ângulo que aprendera do mestre Sergio Leone (photo by BeyondHollywood.com)

Como usa suas referências com extrema propriedade, Quentin Tarantino acaba estimulando o público novo a pesquisar essas mesmas fontes. Com certeza, enquanto você está lendo este post, há vários cinéfilos pelo mundo tirando o pó da capinha dos DVDs da seção Western das locadoras (ou fazendo certos downloads…) para conferir o que o diretor enxergou no material original. Além disso, outra consequência extremamente benéfica de sua metodologia ecológica é o resgate do brilho de alguns atores esquecidos pelo tempo.

Em Pulp Fiction – Tempo de Violência (1994), John Travolta ressurgiu das cinzas para voltar a mostrar seus movimentos na dança de “You Never Can Tell”, de Chuck Berry. Em Jackie Brown (1997), a estrela negra de filmes produzidos por Roger Corman nos anos 70, Pam Grier, foi redescoberta por Hollywood. O Bill de Kill Bill foi a estrela da série de TV Kung Fu, David Carradine, e Daryl Hanna teve seu primeiro papel interessante depois de ser a replicante de Blade Runner – O Caçador de Andróides (1982) como a assassina caolha Elle Driver. Desta vez, por razões óbvias, Tarantino trouxe Franco Nero, o Django original, para fazer a breve cena da luta de mandigos ao lado de Leonardo DiCaprio. Também resgatou o James Crockett da série Miami Vice, Don Johnson, e o veterano Bruce Dern, que pode voltar a concorrer a um Oscar em 2014 pelo novo filme de Alexander Payne, Nebraska. Os EUA têm tantos talentos à disposição que é realmente lamentável que os cineastas não aproveitem.

Django e Django: Franco Nero (à esq) faz uma pequena participação (photo by OutNow.CH)

Django e Django: Franco Nero (à esq) faz uma pequena participação (photo by OutNow.CH)

Para o papel de protagonista, Tarantino havia escrito para Will Smith, mas por motivos não divulgados, recusou a proposta. Depois de fazer testes com Idris Elba, Chris Tucker e Terrence Howard, o papel acabou nas mãos de Jamie Foxx. Apesar de seu personagem falar pouco, o ator encorpora o espírito vingativo do escravo através do olhar. Já para o papel do vilão Calvin Candie, foi necessário um diálogo entre o diretor e Leonardo DiCaprio para convencê-lo a participar, pois como tem imagem de bom menino e líder do movimento Verde, estava desconfortável com o racismo explícito do personagem. Sinceramente, não sei se DiCaprio foi a melhor escolha, mas como cinéfilo, aplaudi seu esforço em se desvencilhar de filmes anteriores. Acredito que ele caminha bem para um futuro promissor se continuar ambicioso na escolha de projetos.

Por outro lado, as duas melhores atuações do filme vieram de escolhas previamente acertadas na cabeça de Tarantino: Christoph Waltz como Dr. King Schultz, e Samuel L. Jackson como o criado Stephen. Poliglota e excelente ator, Waltz revelou numa entrevista que tinha forte receio de que sua atuação repetisse seu personagem anterior de Coronel Hans Landa de Bastardos Inglórios. Esse medo reside principalmente no fato de ambos os personagens serem letrados e terem ótima dicção, mas os universos são totalmente diferentes. Quanto a Jackson, trata-se da sexta colaboração com Tarantino, então eles já estão num nível excepcional de sintonia no set. Ele trabalha tão bem a entonação de seus diálogos, que é possível ver o racismo extremo em cada palavra dita, enquanto ele nos diverte com seu humor negro. Fazia muito tempo em que não via Samuel L. Jackson tão inspirado, ainda mais num papel de idoso com debilidade física.

Samuel L. Jackson rouba suas cenas como o criado racista Stephen (photo by OutNow.CH)

Samuel L. Jackson (à esq) rouba suas cenas como o criado racista Stephen ao lado de Kerry Washington (photo by OutNow.CH)

Com Django Livre, é possível enxergar que Quentin está no fim de outra fase como diretor. Seus primeiros filmes formam uma trilogia que prioriza a estrutura narrativa. Histórias e personagens interligados tornaram-se sua marca principal nos anos 90, influenciando vários trabalhos como Trainspotting – Sem Limites, de Danny Boyle e Traffic, de Steven Soderbergh. Tarantino estava buscando modernizar o uso de múltiplos personagens e tramas no mesmo filme como Robert Altman fez em Nashville (1975) e ShortCuts – Cenas da Vida (1993).

Já na segunda trilogia, que se inicia com Kill Bill: Vol. 1 (2003), Tarantino resolve apelar na violência. Apesar do exagero, ele transforma essa gratuidade em uma beleza plástica. Ele convida o diretor de fotografia Robert Richardson a mergulhar num oceano de referências visuais fílmicas e televisivas para poder recriar e homenageá-las.

Cena visual de Kill Bill: Vol. 2 (2004) com fotografia de Robert Richardson (photo by odeon.typepad.com)

Cena visual de Kill Bill: Vol. 2 (2004) com fotografia de Robert Richardson (photo by odeon.typepad.com)

Shosanna e seu machado em Bastardos Inglórios (photo by OutNow.CH)

Shosanna e seu machado em Bastardos Inglórios (photo by OutNow.CH)

Violência em evidência: plasticidade no sangue e na plantação (photo by BeyondHollywood.com)

Violência em evidência: plasticidade no sangue e na plantação (photo by BeyondHollywood.com)

Além da violência mais acentuada e estetizada, como pode-se perceber pelas fotos acima, existem outras curiosidades nessa segunda fase. Todos esses filmes dialogam com o forte tema da vingança. A Noiva quer matar Bill. Shosanna quer a cabeça de Landa. E Django quer destruir Calvin Candie para resgatar sua esposa. Alguém aí falou em guardar rancor? Tarantino acredita que nada mais ferve o sangue do que uma vingancinha. No começo de Kill Bill: Vol. 1, ele coloca o antológico provérbio klingon de Jornada nas Estrelas: “Revenge is a dish best served cold (Vingança é um prato que se come frio)”.

Também vale ressaltar que o diretor coloca grupos que já foram minoria como tais personagens buscando vingança: Mulheres em Kill Bill, Judeus em Bastardos e Negros em Django. E quando se toca no assunto de minorias étnicas ou religiosas, a coisa tende a pegar fogo nessa sociedade politicamente correta ao extremo. O primeiro a se manifestar foi o diretor negro Spike Lee, mais conhecido por fazer filmes com temática racial como Febre da Selva e Faça a Coisa Certa.

Em entrevista, ele teria dito as seguintes palavras: “American Slavery Was Not A Sergio Leone Spaghetti Western. It Was A Holocaust. My Ancestors Are Slaves. Stolen From Africa. I Will Honor Them (A escravidão americana não era um filme de spaghetti western de Sergio Leone. Foi um Holocausto. Meus antepassados foram escravos. Tirados da África. Vou honrá-los)” – O que é mais ridículo é que o autor dessa crítica non-sense sequer viu o filme! Spike Lee estaria indignado com o fato de haver o termo racialmente pejorativo “nigger“, que seria algo como “crioulo” aqui. Esse termo era utilizado pelos senhores referindo-se a seus escravos. E como fazer um filme sobre esse período sem conter essa palavra no roteiro?

Não-oficialmente falando, talvez essa birra por parte de Lee venha de uma regrinha de humor americano que implica que apenas as vítimas da piada têm o direito de criar essas mesmas piadas. Por exemplo: só judeu pode tirar sarro de judeu, caso contrário seria um ultraje tão grande que seria um incidente diplomático. Jamie Foxx logo rebateu a polêmica através do jornal The Guardian: “…I respect Spike, he’s a fantastic director. But he gets a little shady when he’s taking shots at his colleagues without looking at the work. To me, that’s irresponsible. (Respeito Spike, ele é um diretor fantástico. Mas ele fica um pouco sombrio quando atira em seus colegas sem olhar para o trabalho deles. Para mim, isso é irresponsabilidade)”.

Os pré-conceituosos: A presidente Dilma Roussef recebe Spike Lee no Planalto em visita para realização de documentário Go Brazil Go em abril de 2012 (foto por blog.planalto.gov.br)

Os pré-conceituosos: A presidente Dilma Rousseff recebe Spike Lee no Planalto em visita para realização de documentário Go Brazil Go! em abril de 2012 (foto por Roberto Stickert Filho/PR de blog.planalto.gov.br)

Aproveitando o tema, outro filme indicado ao Oscar também tem sido alvo de controvérsias. Segundo declarações de um membro da Academia, um panaca chamado David Clennon, teria dito em carta aberta que não votaria em A Hora Mais Escura, porque o filme faria apologia à tortura. Para quem não conhece, o novo filme de Kathryn Bigelow teve acesso exclusivo aos arquivos da CIA na captura e morte do líder terrorista Osama Bin Laden, e há algumas cenas em que membros da inteligência americana aplicam torturas a fim de obterem pistas. Em defesa de seu filme, a diretora declarou: ” Torture was, as we all know, employed in the early years of the hunt. That doesn’t mean it was the key to finding Bin Laden. It means it is a part of the story we couldn’t ignore. (Tortura foi, como todos sabemos, empregada nos primeiros anos da caça. Isso não significa que foi a chave para encontrar Bin Laden. Significa que foi uma parte da história que nós não poderíamos ignorar)”.

A sociedade americana anda muito politicamente correta, e ainda sente as consequências daquele vídeo horroroso (em todos os sentidos) intitulado Innocence of the Muslims (Inocência dos Muçulmanos – ver vídeo e post em https://cinemaoscareafins.wordpress.com/2012/09/19/video-causa-conflito-no-oriente-medio/), que desencadeou uma briga internacional entre os países de origem muçulmana e os EUA, por abrigarem o responsável pelo filme. Além disso, hoje negros deixaram de ser negros. São afro-descendentes. Estamos pisando em ovos ao falar sobre temas étnicos. Isso porque nem vou comentar sobre as cotas raciais racistas criadas pelo ex-(e atual) presidente Lula e companhia. Se querem compensar décadas e mais décadas de escravidão, respeito e igualdade funcionam melhor como dignidade.

Veredito final: Nem Tarantino, nem Bigelow foram indicados ao Oscar de direção. Mas isso pouco importa agora. Django Livre é um ótimo filme que busca contar uma história de amor e vingança. Como qualquer outra obra de arte, não precisa estar atrelada à verdade absoluta ou a fatos verídicos. E como qualquer Arte boa, deve ter o poder de abrir espaço para interpretação e discussão saudável.

AVALIAÇÃO: MUITO BOM

Dr. King Schultz e Django formam uma dupla um tanto incomum (photo by BeyongHollywood.com)

Dr. King Schultz e Django formam uma dupla um tanto incomum (photo by BeyongHollywood.com)

O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook), de David O. Russell (2012)

O Lado Bom da Vida (photo by cinemarcado.com.br)

O Lado Bom da Vida (photo by cinemarcado.com.br)

O novo filme de David O. Russell só deve estrear em telas brasileiras no dia 1º de fevereiro, mas aproveitei a primeira pré-estréia para conferir uma das grandes surpresas do ano e da corrida para o Oscar 2013. Com o total de 8 indicações, O Lado Bom da Vida pode ser o grande concorrente do favorito Lincoln, de Steven Spielberg.

Primeiro, vamos esclarecer uma importante discussão dos bastidores. Apesar de ter conquistado o People’s Choice Award, um notável prêmio eleito pelo público, no último Festival de Toronto, O Lado Bom da Vida deve seu crescimento no Oscar à sua distribuidora Weinstein Company. Para quem não é familiarizado, essa empresa é chefiada por Harvey Weinstein (ex-proprietário da Miramax e provavelmente um dos nomes mais citados em discursos de agradecimento por atores: “I wanna thank Harvey” – sim, preste atenção), que ganhou fama quando fez forte lobby no Oscar 1997 (9 Oscars para O Paciente Inglês) e no Oscar 1999 nas vitórias contestadas de Melhor Filme para Shakespeare Apaixonado (7 Oscars, batendo O Resgate do Soldado Ryan), e Melhor Ator para Roberto Benigni por A Vida é Bela.

Harvey Weinstein: Deus, segundo Meryl Streep, em frente ao Oscar (photo by washingtonpost.com)

Harvey Weinstein: Deus, segundo Meryl Streep, em frente ao Oscar (photo by washingtonpost.com)

Embora não haja provas de suborno, todos no ramo sabem que Harvey investe pesado na propaganda de seus filmes entre os votantes da Academia, pois sabe que um Oscar conquistado representa números maiores nas bilheterias e melhores planos de carreira para os profissionais envolvidos. Às vezes, ele erra como nos filmes citados no parágrafo anterior, mas às vezes ele faz boas ações, como colaborar no terceiro Oscar de Meryl Streep por A Dama de Ferro, na vitória de O Artista, uma produção francesa, em fotografia preto-e-branco sem estrelas hollywoodianas, e nas três indicações de O Mestre este ano.

Quando as indicações do Oscar 2013 foram anunciadas, muitos pensaram: “Harvey ataca novamente!”. Enquanto filmes bem avaliados pela crítica como A Hora Mais Escura e Argo ficaram fora da corrida de Melhor Diretor (enfraquecendo muito as chances de Melhor Filme de ambos), David O. Russell entrou na categoria, e seu filme recebeu o total de 8 indicações. Então, nesse panorama, O Lado Bom da Vida deve ser o único que pode estragar a festa de Spielberg no Oscar.

Apesar da história do lobbista, não existe descrédito do filme. Aliás, o crédito todo deveria ir para o diretor David O. Russell. Aos 54 anos, ele pertence a uma geração de diretores que acredita que bons roteiros e personagens sólidos são a base de todo bom filme. Nessa analogia, Russell está no mesmo barco de Alexander Payne, Jason Reitman e Cameron Crowe, todos bons diretores e roteiristas, mas em termos de direção de atores, ele larga um pouco na frente.

David O. Russell (centro) dirige a cena na lanchonete (photo by indiewire.com)

David O. Russell (centro) dirige a cena na lanchonete (photo by indiewire.com)

Em sua curta filmografia, já foi responsável por sete indicações de atores ao Oscar: Melissa Leo, Christian Bale (ambos ganharam o Oscar), Amy Adams, Bradley Cooper, Jennifer Lawrence, Robert De Niro e Jacki Weaver. Claro que trabalhar com atores de talento reconhecido facilita as coisas, mas quem imaginaria que Bradley Cooper, aquele jovem candidato a galã de Se Beber, Não Case, estaria disposto a se tornar um bom ator? E como transformar Jennifer Lawrence de 22 anos numa viúva convincente? Tudo isso foi possível porque David O. Russell enxergou isso primeiro.

Além desse dom, ele consegue transmitir a harmonia do set de filmagem para a tela, fazendo com que todos os atores, mesmo aqueles com uma linha de diálogo, estejam bem! Em papéis menores do que costumam atuar, Julia Stiles e Chris Tucker defendem seus personagens como se fossem protagonistas. Essa unidade na direção já rendeu prêmios de Melhor Elenco por Huckabees – A Vida é uma Comédia (2004) e O Vencedor (2010).

Jennifer Lawrence e Bradley Cooper formam a base do filme (photo by OutNow.CH)

Jennifer Lawrence e Bradley Cooper formam a base do filme (photo by OutNow.CH)

As histórias que David O. Russell escolhe também têm papel fundamental no sucesso de seu estilo. Desta vez, decidiu mergulhar no projeto (adaptação do romance homônimo de Matthew Quick) porque seu filho também sofreu de bipolaridade como o protagonista, Pat Solatano.

Pat (Bradley Cooper) retorna para casa dos seus pais (Robert De Niro e Jacki Weaver) após oito meses numa instituição mental. Ele fora internado depois que teve uma intensa crise violenta após flagrar sua mulher no chuveiro com outro homem. De volta, ele busca um recomeço para sua vida, fazendo terapia e se exercitando, para que retome seu relacionamento com a esposa Nikki, mas existe uma ordem judicial que o impede de se aproximar dela ou manter qualquer tipo de contato. Aí que entra a personagem Tiffany (Jennifer Lawrence), uma recém-viúva maníaca depressiva.

Existe uma troca de favores entre ambos que faz a trama avançar. Ele quer que ela mande sua carta para a esposa (amiga de sua irmã). E ela precisa de um companheiro de dança para uma competição. Se fossemos resumir o filme numa sinopse, O Lado Bom da Vida estaria longe da lista dos filmes mais aguardados do ano, mas o fator David O. Russell faz toda a diferença. Se o livro caísse nas mãos de outro diretor, existiria a forte possibilidade do filme se tornar um estudo da bipolaridade e outros distúrbios mentais. Já nas mãos de Russell, temos um filme sobre pessoas muito próximas à realidade e a forma como elas se relacionam entre si com pitadas de humor inteligente.

Robert De Niro, Jacki Weaver e Bradley Cooper: a família disfuncional (photo by OutNow.CH)

Robert De Niro, Jacki Weaver e Bradley Cooper: a família disfuncional (photo by OutNow.CH)

Assim como em seu sucesso anterior, O Vencedor, o diretor explora o núcleo familiar disfuncional. Embora todos os membros apresentem problemas e defeitos individuais, funcionam como uma família para resolverem algumas questões principais. E essa atmosfera familiar muito bem orquestrada pelo diretor que faz o filme cativar o público.

Para ajudá-lo nessa árdua tarefa, como de costume, ele conta com seu casting bem escalado. Inicialmente, o papel de Pat seria de Mark Wahlberg (colaborador assíduo do diretor), mas viu traços promissores em Bradley Cooper. Para viver a personagem Tiffany, havia uma fila de atrizes que tinha nomes como Rooney Mara e Anne Hathaway (que teve que sair do projeto por conflitos de agenda). Contrariando a diferença de idade dos atores (Bradley tem 37 anos), Russell apostou suas fichas na jovem de 22 anos, Jennifer Lawrence.

Jennifer Lawrence (22) e Bradley Cooper (37) em cena (photo by mediumutm.ca)

Jennifer Lawrence (22) e Bradley Cooper (37) em cena (photo by mediumutm.ca)

Em nenhum momento, o espectador se incomoda com o fato da atriz ser nova. Jennifer Lawrence aceita o desafio e convence com sua maturidade e seu carisma na pele de Tiffany. Embora já tenha realizado performances memoráveis como em Inverno da Alma, ela impressiona pelo bom timing cômico que desconhecíamos até então. Além disso, sua atuação demonstra uma fragilidade apaixonante. Por fora, ela se protege através de seus maneirismos e desvios psicológicos, mas se mostra uma pessoa que carrega forte sentimento de culpa. Seu trabalho já rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz – Comédia ou Musical, e se vencer no SAG, ninguém tira o Oscar dela.

E para quem estava com saudades, a escalação do veterano Robert De Niro foi uma grata surpresa. Há muito tempo não víamos o ator num papel com carga emocional. Claro que seu personagem Pat Sr. tem seus tiques nervosos como as superstições para jogos de futebol americano, mas existe uma mágoa do passado que continua afligindo seu papel como pai. A última vez que De Niro foi indicado ao Oscar foi em 1992, vinte anos atrás, por Cabo do Medo. Não acredito em sua vitória, mas a Academia já fez sua parte de trazer o ator de volta aos holofotes. Como cinéfilo, espero que ele aproveite bem sua nova chance e escolha melhor seus próximos projetos.

Já a australiana Jacki Weaver, que faz a mãe adorável que foca sua atenção na culinária, completa o círculo central com seu carisma. Sua personagem Dolores procura o filme todo agradar a todos pelo lado afetivo. Pena que seu papel tem poucas cenas, pois Weaver está bem no papel. Sua primeira indicação ao Oscar em 2011 por Reino Animal foi um belo acerto da Academia, trazendo esse talento para os filmes americanos.

Curiosamente, este é o primeiro filme desde Reds (1981), de Warren Beatty, a receber indicações nas quatro categorias de atuação.

Se a Academia resolver reconhecer o talento de David O. Russell como roteirista e diretor, aí Lincoln naufraga e O Lado Bom da Vida e Harvey Weinstein levam 4 Oscars: Atriz, Roteiro Adaptado, Diretor e Filme. Isso sim, seria um Oscar imprevisível.

AVALIAÇÃO: MUITO BOM